Jornalego
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ANO III - Nº 75, em 30 de Junho de 2004 Memória e Imaginação QUANDO, PELA SEGUNDA VEZ, LULA TREME NA BASE
“A memória evoca o vivido, é precisa, exata, implacável, mas não produz nada de novo, esse é o seu limite”. “A imaginação, ao contrário, não pode evocar nada, porque não pode recordar, e esse é o seu limite, mas em compensação produz algo novo, alguma coisa que antes não existia, que nunca existiu”. (Antonio Tabucchi, em “Está Ficando Tarde Demais”, Editora Rocco).
A memória: A memória é fraca! Mas o que aqui se conta está registrado para sempre no livro “A História Real - Drama de uma Sucessão”, dos jornalistas Gilberto Dimenstein e Josias de Souza. Reconto o conto à minha maneira sem aumentar sequer um ponto à indiscrição dos jornalistas, muito mais rica nas páginas do referido livro. É tempo de retorno à democracia e de Assembléia Constituinte. Em Brasília, dois parlamentares solitários têm casos extraconjugais. Bernardo Cabral, o boto amazônico, e Lula, sindicalista e petista. Não um com o outro, é claro! Não se sabe ao certo se eles são amigos ou se amigas são suas parceiras. O que se sabe é que eles saem juntos para jantar. Numa dessas saídas comemora-se o aniversário do Lula. Reunidos os comensais, a namorada deste revela o seu presente. Um belíssimo aparelho de som de última geração. Alegria! Alegria! Parabéns pra você nesta data querida! Tim tim! Assim se passa o jantar e se passam poucos anos. Mas o presente continua presente no presente. Agora é tempo de eleições presidenciais. Competem Collor, Lula, Brizola, Covas e Ulisses, entre os mais cotados. Vão para o segundo turno Collor e Lula. As expectativas da vitória do Lula são grandes. Mas tudo tem seu tempo certo! Collor, sempre liderando as pesquisas, se recusa a participar dos debates televisivos durante a campanha no primeiro turno. Só comparece aos dois no segundo turno. Collor versus Lula! A direita enfrenta a esquerda; o rico o pobre! Cara a cara! A campanha vem atingindo níveis baixos. Desvenda-se a existência de Lurian, uma filha do Lula, fruto de um namoro extraconjugal. Isso abala o candidato da esquerda, mas ele continua firme na parada. Assume a filha publicamente. Talvez já o tivesse feito privadamente. No segundo debate, o Collor aparece sobraçando vários dossiês, fazendo crer que ali existem outras denúncias contra o adversário. Lá pelas tantas, o Collor confessa que Lula, o sindicalista, tirando onda de pai dos pobres, tem um aparelho de som de última geração que, nem mesmo ele, que é considerado rico, possui. A mensagem é diligentemente passada para o Lula que a decodifica muito bem. Se, porventura, houver qualquer tentativa de denunciar alguma mazela do contendor em público, ele, o Collor, apelaria para o presente que seu concorrente recebera naquele dia de aniversário. A denúncia, logicamente, não é o presente da amante, mas a amante do presente. Pela primeira vez, Lula treme na base. Com medo da revelação recolhe-se à humildade de suas origens. Sem dúvida, o segredo, que corre o perigo de ser revelado publicamente é segredo também na esfera privada. Daí o medo. Bernardo Cabral, testemunha ocular do regalo, por certo confidenciou para o Collor o pecado do Lula. Vai ser recompensado com o alto cargo de Ministro da Justiça no próximo governo, de onde promoverá um excelente entrosamento com a Ministra da Economia. A competente e maldosa editoria do debate pela Rede Globo, lançando-a em cadeia nacional de televisão, faz o restante do serviço sujo, consolidando a primeira derrota do candidato do PT. A imaginação: A imaginação é forte. O que aqui se conta pode ter acontecido, como também pode nunca ter sido. Si non e vero e bene trovato. Não há registros. É pura especulação, contada à minha maneira. Quando imagino um conto sempre aumento um ponto. Corre o ano capicua de 2002. Pela quarta vez consecutiva o PT lança Lula para concorrer à Presidência da República. Dois turnos. Lula vence a ambos. É diplomado pela Justiça Eleitoral como Presidente Constitucional da República Federativa do Brasil. Festas, risos e lágrimas. Expectativas de mudanças num Brasil estagnado, desempregado, privatizado e neoliberalizado. Vade retro FHC! “A esperança vence o medo”. Um charmoso senhor americano de 89 anos vem pela enésima vez ao Brasil. Aproveita sua estadia para difundir um livro de sua autoria e visitar o presidente eleito. Solicita uma audiência que, pelo que foi no passado, lhe é concedida incontinenti. Este senhor, na primeira metade dos anos 60 foi embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Teve uma importante participação no golpe militar de 1964. Entre suas eficientes participações, foi responsável pelo convencimento do Presidente de então a não resistir, porque seu país não poderia admitir uma imensa Cuba no seu quintal. Para tal, parte do poderio militar que o Jango conhecia sobejamente, tendo mesmo visitado algumas bases quando de sua visita oficial ao grande país do norte, estava de prontidão, devidamente direcionado para o sul do continente. Lincoln Gordon teve, nessa época, uma longa conversa com Santiago Dantas e Juscelino Kubitschek sobre o assunto e esses senhores, por seu turno, persuadiram a João Goulart a desistir de qualquer resistência. A guerra civil seria iminente com o conseqüente derramamento de sangue de seus compatriotas. Contrariando o cunhado Brizola, Jango capitulou. Assim como Getúlio se matou, dez anos antes. Assim como Allende, provavelmente também o fará, nove anos depois. O ciclo macabro da opressão! Mas os tempos são outros. Agora não existe mais, tão enfaticamente quanto antes, o perigo armado yankee na América Latina. A Guerra Fria acabou com o fim da União Soviética. Cuba está isolada. O militarismo americano focaliza o Oriente Médio. As armas que combatiam o comunismo, agora mais incrementadas tecnologicamente, são usadas para revidar e extirpar o terrorismo, o nome do novo bode expiatório. Existem outras armas mais sutis que são destinadas a outros países. O vetusto senhor cumprimenta Lula, parabenizando-o pela brilhante campanha eleitoral e deseja-lhe um profícuo mandato. Sozinhos, falam da próxima visita que ele fará aos Estados Unidos, do seu encontro com o colega Bush e seus Secretários de Estado. Antes de apresentar a mensagem principal que teria que passar ao novo Presidente dá-lhe de presente o livro de sua lavra e afirma que está ali também numa embaixada do Governo americano. – “O teor de nossa conversa será confirmado durante a passagem de V. Excia. por Washington”. Seguinte: os Estados Unidos estão empenhados em uma batalha contra o terrorismo, onde sobressaem as ocupações do Afeganistão e do Iraque, esta em estado adiantado de preparação. Não interessa abrir novas frentes de conflito em outras partes do mundo, muito especialmente, no que eles chamam de hemisfério americano. Preocupa muito aos EUA a manutenção do status quo financeiro, o pagamento integral do serviço da dívida externa, a garantia das aquisições de ativos e dos investimentos americanos em solo brasileiro. Outro ponto importante no bom relacionamento brasileiro-americano é a manutenção da política do petróleo, iniciada no governo passado e a supervisão das pesquisas no campo do enriquecimento do material nuclear, o que, claramente pode levar o Brasil ao domínio da bomba atômica. Um eventual relaxamento nessas posições levaria a fortes retaliações financeiras e comerciais, inviabilizando o governo infante. Lula retruca com diplomáticas palavras de resistência. Despede-se do interlocutor, levando-o até a porta do seu gabinete de trabalho, instalado num hotel luxuoso de São Paulo. Fez um gesto pouco diplomático na direção da porta, depois de fechada. Na sua viagem aos Estados Unidos, nosso Presidente tem oportunidade de ver confirmados, nas várias conversas fechadas com Bush e seus Secretários, os temores dos mesmos quanto aos pontos listados pelo Sr. Gordon. Adiantam, veladamente, quais as providências que poderiam ser tomadas, nenhuma de caráter militar, todas de caráter financeiro e comercial, que levariam o seu governo ao insucesso. Tudo isso de maneira muito diplomática e cordial. Pela segunda vez, Lula treme na base. Nos pronunciamentos oficiais públicos, Lula ainda esperneia e enumera ações que no concerto internacional das nações podem diminuir os malefícios de uma globalização perversa. Fala da fome. Na volta ao Brasil, a posse festiva e a colheita dos primeiros resultados positivos, que trazem ao normal os sinais alarmantes da economia provocados pelas especulações de uma mudança de governo. A inflação volta à sua expectativa anterior e a taxa de câmbio que se aproximava perigosamente do patamar de R$ 4 por dólar retrai-se. Serenados os ânimos iniciais decorrentes das expectativas de mudança, o acordo com o FMI vem sendo cumprido além do que está prescrito. O que se esperava fosse um período de transição, para não instigar as feras, continua a prevalecer no segundo ano de governo. Aparentemente o governo está salvo. Não haverá defecção, defenestração, nem tiro no peito.
Genserico Encarnação Júnior Itapoã, Vila Velha - ES
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