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JORNALEGO

ANO II - Nº 43, em 10 de Agosto de 2003.

Conto

CARA A CARA CARIOCA

 

 “Com paixão pelo Rio”.

            Início de noite. Após o encerramento do expediente no consultório, o médico partiu para uma rotineira cesariana. Noite dentro da grande noite truculenta que se abateu sobre o país no final dos anos sessenta, sem perspectiva de “alvoradas”. Com o raiar dos primeiros clarões do dia seguinte, Maurício dormia um sono tranqüilo no berçário da maternidade da Casa de Saúde São Vicente, incrustada num morro da Gávea, ainda rodeada de densa mata atlântica. Tinha feito sua primeira refeição, um colostro ralo e insosso. Estava ricamente vestido com predominância amarela, cor neutra para o sexo naquela época ainda imprevisível, depois de cuidadosamente limpo da viagem inaugural e do mecônio esverdeado e de cheiro indefinido.

Alegria e terror.

            Do outro lado do primeiro trecho do túnel Rebouças, de quem vem da Lagoa, na maternidade do INSS, na boca de saída do túnel Santa Bárbara, de quem vem de Catumbi, nas Laranjeiras, poucos dias depois, nascia de parto normal, Raphael, com PH de “pharmacia”. Era o quinto filho de Malvina, de pai desaparecido.

Empregada doméstica da tia do Maurício, Malvina viera do norte fluminense, fugindo das péssimas condições de vida de uma família de trabalhadores rurais na cultura da cana-de-açúcar. Sua atual atividade era uma ótima alternativa à prostituição. O aparecimento de Raphael fora um acidente. Tomava religiosamente a pílula anticoncepcional, doada pela patroa, enquanto ficava na esperança de um amor que nunca chegava. Deixou de usá-la de tanto esperar. Foi quando aconteceu o tão esperado encontro de amor, provando a força do instinto da preservação da espécie. Por esta falha e para não aguçar o gênio irascível do patrão foi dispensada dos serviços caseiros, tendo sido acolhida temporariamente na casa dos pais de Mauricinho. Simplesmente dobraram a esquina, saíram da Rua Moura Brasil para a Rua Álvaro Chaves.

Apartamento bem montado, com sala, três quartos, sendo uma suíte, banheiro social, cozinha e “dependências”. Nessas últimas, residiram por mais de um ano, mãe e filho. Até que se arranjou alguém para com ele ficar, a madrinha, num barraco no morro do Pereirão, ao final da Rua Pereira da Silva, a algumas dezenas de metros de onde trabalhava a negra Malvina.

            Mauricinho filho único sentiu a falta de Raphael, mas ia sendo consolado com outros amiguinhos que com ele brincavam todos os dias no “play ground” do Fluminense e nas aulas de natação do clube que passou a ser o seu do coração.

Raphael cresceu na favela, estudou na escola pública até quando sua tutora pode controlá-lo, não ultrapassando o primeiro grau. Aparecia vez por outra na casa do Mauricinho, pelas mãos da madrinha ou da própria Malvina, enquanto ainda trabalhava por lá. Depois que ela saiu ainda voltava a aparecer, com menor freqüência, como veremos a seguir, rareando com notícias de sua mãe até perder totalmente os contatos com ela.

Dos seus irmãos, Raphael jamais soube de seus paradeiros. Depois que a Dinda morreu, ficou sozinho no mundo. Foi adotado por um grupo no morro, para o qual fazia pequenos serviços de “olheiro”, “avião” ou “vapor” do negócio. Com a maioridade, foi preso e levou muita porrada. Sentia na pele a discriminação, era evitado e olhado de soslaio. De compleição magra, com a vida desregrada, tinha emagrecido muito mais de tempos para cá, causando desconfianças sobre o seu estado de saúde.

            Maurício freqüentou os melhores colégios da região, o São Tarcísio, o São Vicente e o CEAT, em Santa Teresa. Passou também a freqüentar os morros da periferia e às vezes levava amigos para uma roda de samba, aparentando sensibilidade social e inexistência de preconceitos. Gabava-se disso. Aliás, era folclórico no Rio o relacionamento morro-asfalto, decantado em tantas músicas do cancioneiro popular.

            O tempo, que passa muito mais rápido nas páginas dos textos literários, passou lépido. Adolescentes, encontravam-se casualmente. Às vezes, para curtir um baseado solidário. Maurício não subia mais; Rafa descia. A barra estava ficando pesada lá em cima. Em algumas dessas ocasiões, encontravam-se no quarto fechado, escuro e defumado do Mauricinho, ao som de roques da pesada.

            Num desses encontros, Maurício contou sua viagem aos Estados Unidos, prêmio que ganhara dos pais por seu sucesso no vestibular, juntamente com um carro “mil”, para as aulas no Fundão.

            - Cara, fui a uma festa no Village - Greenwich Village, o bairro dos artistas, boêmios e gente da nossa - em Nova York, que você nem saca. Fui com um primo, artista plástico que mora lá. Rolava tudo. Encarei uma “mina” da pesada, tipo assim, pouco mais velha do que eu, com umas tatuagens maneiras espalhadas por um corpinho cor de leite, cheia de “piercings”, cabelos multicoloridos, doidona, cara! Quando acordei já era noite do dia seguinte. Quase perco o vôo de volta. É uma coisa de doido, cara, aquela gente. Não ‘tão nem aí pra nada. Só curtir. “Bagulho” do bom, “branco” de primeira e altas transas.

            - Foi muito legal, cumpadi. Dos Estados Unidos praticamente só conheci o Village. Duas semanas por lá. Até economizei um troco pra gente gastar por aqui. E mostrou um pacote de “verdinhas” que guardava na primeira gaveta de sua mesa de estudos.

            Com a casa vazia dos outros moradores, Rafa saiu do quarto, foi ao banheiro, depois à cozinha, território por demais conhecido, e de lá trouxe um facão enorme que empunhou na direção do Maurício ameaçando-o e exigindo o pacote de dólares guardados na gaveta.

Maurício, assustado, pediu calma ao companheiro dizendo que imediatamente passaria a grana para ele. Abriu devagar a gaveta para não assustar o Rafa, meteu a mão e tateou um punhal que sabia estar ali, de cabo de madrepérola e lâmina fina e longa. Pertencera a seu avô, agora uma relíquia da família. Recentemente, Maurício, mostrando interesse pela peça, apoderou-se dela e a guardava na gaveta.

            Segurou firme a arma retirando-a da gaveta já desembainhada. Apontou na direção do Rafa e assim ficaram, separados pela mesa de estudos, dois recém-inimigos a se ameaçarem reciprocamente.

            Tudo ficou em suspenso. O tempo parou. Estáticos, extasiados, se viram cara a cara, feições crispadas, olhos nos olhos fuzilantes, corações em disparada, braços estendidos, mãos empunhando com força as respectivas armas, apontando-as um contra o outro, poucos centímetros a separar as pontas de suas lâminas, neurônios em ebulição na espera de uma solução para tão lastimável impasse.

Genserico Encarnação Júnior

Itapoã, Vila Velha - ES

eeegense@terra.com.br

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