ANO X - N°
286, em 20 de novembro de 2011.
Desabafo
ÓDIO
Nesta temporada em
terras acreanas, vi, ouvi e, principalmente, li muita coisa, que me
instilaram um sentimento de ódio por uma parcela da humanidade,
pelas razões que exponho a seguir.
Não se preocupem os meus
queridos leitores! Trata-se de um ódio sadio e saudável, até certo
ponto feliz, instigante, jovial e revigorante. Mesmo porque a
família vai bem, o Acre vai bem, o Brasil nunca esteve tão bem (tudo
é relativo).
Antes de qualquer
consideração sobre as razões do meu ódio, vamos aos livros que li,
as principais fontes desse veneno de que o leitor atento, pela
simples enunciação de seus títulos, entenderá a ingestão.
1 – O Imperador – Os
bastidores do palácio de Hailé Selassié I o tirano que governou a
Etiópia por 44 anos – do jornalista polonês Ryszard Kapuscinki.
2 – A Cultura do Contentamento,
do economista americano John Kenneth Galbraith, escrito e divulgado
no final do século passado.
3 – A Hora da Guerra –
crônicas publicadas na imprensa baiana, de 1942 a 1945, de Jorge
Amado, coletânea editada postumamente.
4 – O Cavaleiro da Esperança
– a vida de Luis Carlos Prestes, também de Jorge Amado, escrito no
exílio, na Argentina; originalmente editado em espanhol em 1942 e em
português, no Brasil, em 1945.
O principal motivador do
meu ódio foi a maestria do Jorge Amado nos seus inflamados escritos
aqui aludidos. Cheios de emoção, escritos no calor dos momentos
vividos. Além de um bom escritor, romancista e poeta, era grande
panfletário (no bom sentido da palavra) e instigador das multidões,
quando exatamente era isso que o povo estava necessitando naquelas
oportunidades, seja na luta contra os países do Eixo ou a ditadura
estado-novista de Vargas, na segunda metade da década de 30.
Os focos do meu ódio foram o
nazifacismo da 2ª Guerra Mundial, seus principais líderes, Hitler,
Mussolini e Hiroito; e os demais figurantes: Franco, Salazar, Petain
e outros menos conhecidos na Europa quinta-coluna ou
aderentes, colaboradores, aproveitadores da possibilidade de vitória
dessa cultura. No Brasil, a figura asquerosa do Plínio Salgado e sua
trupe integralista. Na ditadura de Vargas o nazista Filinto Müller.
O magistral instigador do meu ódio
estava recém-chegado do exílio em terras argentinas, a que foi
relegado pelo governo de Vargas, quando escreveu suas crônicas na
imprensa da Bahia, onde estava confinado. Nesses escritos ele fazia
uma descrição sucinta do andamento da guerra e um excelente trabalho
de propaganda antinazifascista.
Muito interessante, foi ele passar a
percepção de que a guerra se estenderia para o período de paz que se
seguiria. Talvez por muito tempo ainda. Por isso, não poderiam
restar resquícios do veneno nazifascista. Nenhuma paz de compromisso
com os vencidos poderia ser concedida, o que já vinha sendo admitido
pelos potenciais perdedores e seus seguidores ao redor do mundo.
Nesse particular, o cronista ressalta o papel de Roosevelt,
Churchill e Stálin que queriam a vitória total, sem contemporização
com os vencidos e seus acólitos.
Amado trata a Segunda Guerra como
uma guerra justa (talvez a última da humanidade, o que vem sendo
comprovado), pois eram claras as posições em litígio, não havendo
dúvidas do lado que a humanidade deveria se perfilar para sua
saudável continuação. A Primeira Grande Guerra ele a trata como uma
guerra interimperialista.
Não se ignora que, além de defender
a democracia que estava em jogo e a participação de tropas
brasileiras no conflito, Amado, político comunista, também fazia a
propaganda da União Soviética, a grande aliada, que registrou as
maiores baixas em sua população durante a guerra. Agora, filtrado
pela perspectiva do tempo que passou, vê-se que o autor exagerou nos
elogios a Stálin, como se sabe hoje, um dos mais truculentos
ditadores da era moderna. As percepções de então do autor certamente
estavam obnubiladas por seu idealismo bem-intencionado.
Quanto ao livro do Galbraith, ele
mostra a armadilha em que se meteu a população americana ao alcançar
o atual patamar de satisfação e contentamento, pela primeira vez na
história da humanidade, ao contemplar a grande maioria de uma
população. Antigamente, na história da civilização, o povo menos
privilegiado (sempre a maioria) poderia virar a mesa do poder dos
poderosos minoritários. Agora é mais difícil, dado que a maioria não
permite. Haja vista que nem o Obama consegue. Apoiam seus
porta-vozes do Partido Republicano e o aparato industrial-militar
que protege as suas propriedades e seu bem-estar. Dão suporte aos
imensos gastos militares e criticam as políticas voltadas ao
atendimento da população miserável. Não ligam a mínima para o
bem-estar da população indigente, minoritária, embora de grande
tamanho.
Galbraith mostrava, ao final do
século passado, que somente três forças poderiam romper esse
equilíbrio:
1 – guerras de ocupação
intermináveis,
2 – crise financeira insustentável e
3 – eclosão de convulsões populares
em todo o país.
Esses três fatores, inexistentes
então, estão acontecendo atualmente. O autor não testemunhou isso em
vida.
Os outros livros me
levaram a aumentar o meu ódio às ditaduras, guerras, absolutismos,
terrorismos, obscurantismos, tiranias, violências em geral e que
tais. A última leitura me fez conhecer melhor a epopeia da Coluna
Prestes e a figura exemplar de Luis Carlos Prestes.
Por extensão e, por
conseguinte, passei a odiar mais as pessoas arrogantes, egoístas,
brutamontes, intolerantes, voluntariosas, machistas, seja homens,
seja mulheres. Corruptos e corruptores. E mais: os agressores do
meio ambiente, das florestas, árvores, animais, índios, mulheres,
crianças, velhos, homossexuais, deficientes, enfim, os racistas, os
egoístas, essa escumalha de gente. Os bullies da história,
hoje contando com o poderio militar das grandes potências e o
sistema financeiro internacional. Os “Bastardos Inglórios” do novo
tempo.
Como já disse, trata-se
de um ódio sadio; sinto-me feliz por estar imbuído dele. Um ódio
rejuvenescedor; muito melhor que a felicidade falaz de um amor
platônico, idealista, romântico, religioso, emasculado e artificial
que é comum se encontrar por aí. A esse sentimento eu prefiro o do
ódio, um sentimento mais vibrante, desde que devidamente orientado
para esse rebotalho da espécie humana.
As reações de cada um
ficam entre radicalizar no ódio por isso tudo que vem acontecendo no
mundo, desde há muito tempo, mais aceleradamente nos últimos anos,
ou relaxar e gozar. Particularmente, vivo pulando de um polo a
outro, como escritor ciclotímico que sou. Meus leitores que me
aguentem!
Mas o ódio maior é
porque eu não antevejo uma solução: “Deus morreu, Marx morreu, Freud
morreu e eu não estou me sentindo muito bem”.