ANO IX - Nº. 270, em 05 de fevereiro de
2011.
Novela
FOLHETIM – V (Continuação
e Final)
Depois das férias,
de volta para Vitória, continuaram se encontrando com as rápidas viagens do João
à capital. Ficava hospedado com elas se repartindo entre os fraternos carinhos,
bons tratos recíprocos e alguns gemidos abafados oriundos ora de um ora de outro
quarto.
O apartamento
passara por uma boa reforma, transformando em confortável aposento um amplo
quarto dos fundos que virou suíte, para bem receber o jovem libertador do
colonialismo paterno e a cornucópia de sensações, afetos e gozos que ele
propiciava, sob uma programação tácita, rigorosamente cumprida e amigavelmente
monitorada quanto ao cumprimento por todos, durante os poucos dias que passava
por lá. Dessa forma, ali também tinha o seu cantinho pessoal onde poderia se
refugiar por momentos, com um belo armário para suas poucas roupas e uma cama
mais espaçosa do que as delas, razão por que começou a apelidar o quarto,
somente para seu conhecimento íntimo, de alcova dos amores.
Elas moravam num
edifício construído de acordo com concepções antigas, com amplos espaços, porém
ainda considerado moderno, no centro da cidade, onde também residiram meus pais.
O apartamento tinha três quartos (um para cada uma) e um amplo cômodo nos
fundos, originalmente destinado para as empregadas, que eu conheci muito bem
desde outros carnavais, quando vinha passá-los com a minha família e ficava num
deles, muito bem alojado por sinal. Os outros cômodos já tinham sido ocupados
por meus irmãos mais novos que ainda não tinham saído da casa paterna. Pena que
sem o acompanhamento propiciado ao João. E sem as reformas transformadoras que
foram feitas no apartamento das meninas.
Nunca elas chegaram
a abordar explicitamente, entre si, o relacionamento conjunto com o João. Mesmo
durante o período em que ainda ele não tinha se consolidado, isto é, se
estendido a todas. Tudo ia sendo intuído e imaginado. Puro sexto sentido e
argúcia de mulher.
Durante todo o
período deste folhetim e mesmo pouco depois, até quando eu os tinha sob as
minhas miras, isto é até eu sair de Vitória para o Rio, no início de 1965,
nenhuma palavra mais explícita fora trocada entre elas e com quem quer que fosse
a respeito do consórcio em que foi se transformando esta sociedade comunitária
sem igual. Quanto ao que ocorreu depois eu não saberia dizer. Só voltei a
residir em Vila Velha depois de mais de trinta anos de ausência.
Vigorava
entre elas um acordo não formal, prático, extremamente racional e visceral. Por
certo passaram por processos mentais, sentimentais, emocionais e intelectuais de
várias proporções prevalecendo ao final uma aceitação, eu diria quase
darwiniana, em busca da sobrevivência física e afetiva, diante das adversidades
e obstáculos com que depararam ao longo de sua vida e a oportunidade surgida,
descartando-se de todos os preconceitos e ensinamentos moralistas carregados de
culpas, temor e irracionalidade que lhe impuseram.
A plenitude foi
alcançada muito especialmente com a compreensão e o bom caráter de João Batista
que lhes ensinou a superar o pecado original que lhes fora incutido, quem sabe,
depois de um pertinaz processo de deseducação que passou por inúmeras gerações,
até que num ato corajoso, atingissem um ápice possível enquanto seres humanos,
demasiadamente humanos.
O ano foi
transcorrendo com grandes novidades. O tempo da literatura nos permite avançar
no calendário, retroceder, criar flashbacks etc. Por causa disso vamos
direto ao mês de dezembro, quando um novo verão se anunciava. Logo depois do
solstício, em época natalina, eis que surgem os nascimentos de três
meninos-anjos, a culminar o processo coletivo de libertação e renovação
daquelas, novamente, viçosas mulheres: Mária, Maria e Mariá.
As figuras paterna e
masculina jamais faltaram aos meninos com as visitas periódicas e constantes do
pai assumido. Nem tampouco pescados e outros frutos do mar na mesa daquela casa,
a cada vez que vinha a Vitória: prosa progenitor de tranquilos trigêmeos
trigueiros.
FIM