ANO VII - N° 216, em 30 de abril de 2009.
Crônica
JORNAL / EGO –
7 / 70
Esse título parece o de um filme
de Fellini (8 ½), , revisto recentemente. O
tempo passou desde quando o assisti pela primeira vez, mais de 40 anos atrás. De
lá para cá, como melhorou!
Esta crônica tem como objetivo
comemorar os sete anos do JORNALEGO. O selo ANO VIII, que a partir do
próximo número permanecerá por 365 dias no cabeçalho do jornal, significa que
estaremos entrando no oitavo ano de sua existência. O primeiro JORNALEGO saiu
datado de 30 de abril de 2002. Como sabem, todos eles podem ser encontrados no
site referenciado ao final. Tem alguma coisa que presta!
Tenho compulsão por escrever.
Lembro-me, faz muito tempo, de um dos reclames então afixados nos bondes
de Vitória: o de um rapaz, de olhos esbugalhados, forçando, com ambas as mãos, a
retirada de uma mordaça com a qual tentavam fechar a sua boca. Ele gritava:
deixem-me respirar, tossir ou falar. Algo assim. A imagem era muito forte, tanto
que ficou gravada na minha mente por mais de meio século. Seria propaganda de um
remédio para asma, tosse? Não sei. O rapaz queria a boca livre sei lá para o
quê! Da mensagem não me lembro mais. Não me recordo do nome do produto
recomendado. Associo esse comercial a minha necessidade de escrever. O remédio é
a escrita, ou a terapia.
A minha fixação sempre foi a
descodificação das verdades cristalizadas que contaminam o ambiente.
Tentar perscrutar o que está por baixo dos panos que geralmente são usados para
encobrir as verdades verdadeiras. Embora, não existam tais verdades verdadeiras.
Mostrar, em contraposição, as minhas verdades, para serem cotejadas com
as verdades cristalizadas que são veiculadas por aí.
Já me referi, em um dos meus
textos, a uma cena, que também me ficou gravada na memória, de uma peça teatral
de Naum Alves de Souza (“No Natal a Gente Vem te Buscar”). A personagem, uma
velha rabugenta, solteirona, que vivia infernizando os sobrinhos, interpretada por Marieta
Severo, dizia mais ou menos assim: “ninguém me entende, todos me criticam, mas
se eu fiz tudo tão certinho, exatamente como me ensinaram”. Simplesmente, ela
não fez uma análise crítica dos ensinamentos que recebeu! É esse o meu propósito quando
escrevo inclusive ficção: diretamente ou usando metáforas, descodificar as
mentiras que, em minha opinião, estão zanzando por aí.
E como há mentiras por aí e em
tudo! Na educação das crianças, na História, na Religião, na Política etc. Não
que eu conheça a verdade, ninguém é dono dela, mas reconheço as mentiras. Não
sei o que é, mas desconfio de muita coisa. Foi quase isso que disse Riobaldo, personagem
central de Guimarães Rosa, em Grande Sertão, Veredas.
Comigo foi assim com o Jornal
Mural nos tempos da Faculdade de Economia. Também com alguns textos e poemas que
escrevia e guardava num envelope pardo, tendo como sobrescrito em letras
garrafais a palavra: confidencial. Reformei e libertei alguns desses textos no
JORNALEGO. Assim também com “cartas ao meu filho homem”, escritas a partir do
seu nascimento para serem lidas na sua maturidade. Tudo sumiu. Rasguei as cartas
por causa da ingenuidade e do romantismo nelas contidos. Fi-lo bem. Imagino meus
filhos, como são hoje, lendo aquelas baboseiras.
Depois veio a aposentadoria. Foi
quando criei uma carta quinzenal temática (copiando a ideia de um amigo) –
Economia e Energia, EeE. Para transmitir minhas verdades na área em que
trabalhei. Eu imprimia várias cópias e as mandava pelo Correio aos
destinatários. Cobria, na oportunidade, todo o Congresso Nacional. Carregava os
quase 600 envelopes endereçados a cada um dos parlamentares numa grande sacola
de viagem e os deixava nos protocolos do Senado e da Câmara. Também remetia a
Carta aos deputados estaduais capixabas. Hoje ela foi transformada em uma
revista bimestral virtual que, por ser bilíngue, sofreu uma pequena alteração no
nome (E&E, para também servir ao título em inglês: Economy & Energy). Um
competente grupo de técnicos publica seus trabalhos num site (www.ecen.com);
também edita uma revista impressa. Com o mesmo nome foi criada uma Oscip
(Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), para elaborar trabalhos
em sua especialidade, para entidades governamentais e privadas, sem fins
lucrativos.
Atualmente, restrinjo-me à
literatura: ler e escrever. A E&E me ofereceu gratuitamente a possibilidade de
acoplar o JORNALEGO ao seu site, como uma espécie de suplemento literário. Ali
estamos desde 2002 (www.ecen.com/jornalego).
Já escrevi artigos na imprensa,
já editei um opúsculo com duas dezenas de contos. Por que não continuar nessa
trilha: jornal ou edição de livro? Além do trabalho que dá, hoje procuro o
máximo de liberdade para me expressar. Além do mais não tenho nome que interesse
aos editores. Os jornais e as editoras impõem certas regras, às quais não quero
me submeter. Seja o tamanho do artigo, seja a escolha dos temas de maior apelo
comercial ou como abordá-los, seja, quando não, a existência de censura prévia. A remuneração ao autor não existe, ou é mínima, ou, o que é pior, o
próprio escritor tem que financiar sua publicação. Não quero isso.
Na imprensa alternativa
(Internet), muito pouca coisa me tolhe. Somente a minha própria ética. Não tenho
mais interesses (materiais ou de poder) corporativos, partidários etc. Posso ter
alguma simpatia por isso ou aquilo. Afinal tenho minhas opiniões que são
atualmente muito mais volúveis do que antigamente.
Meu momento atual é o de
desconstrução. Não confundir com destruição. Desconstruir tudo que foi
construído ao longo do tempo, pela educação, pela formação profissional, pelas
paixões (machismo, bairrismo, corporativismo, clubismo, saudosismo, xenofobia,
nacionalismo e patriotismo emocionalmente bobos, partidarismo, ideologias
radicais, fundamentalismos, amores impossíveis, idealismos românticos etc.) para
permitir a criação de uma coisa nova enquanto houver tempo. Não me perguntem
que coisa nova é essa! É segredo que nem eu sei revelar. Só sei que é um pensar
diferente do que se costuma pensar por aí. Libertar-se de qualquer pensamento
estereotipado. Isso não implica dizer que o passado seja estéril, nada
disso!
Existe vida depois que cessam
tais paixões? Sim, chama-se velhice. Se essa senhora chegar com saúde (inclusive
financeira) e bom relacionamento com as pessoas é uma excelente sobremesa,
especialmente se vier com cobertura de literatura. Sem aumentar a taxa de
glicose.
Que prazer ler um bom romance,
um bom conto ou criar uma história! Nesse último caso sinto-me um deus,
ordenando o fiat lux, ou mesmo uma mãe, dando à luz personagens.
Cito sempre estes versos do
Drummond; “Não mais o sonho, mas o sono limpo de todo o excremento romântico”. E
de muitos outros tipos de excrementos, principalmente o moralista. Que mau
cheiro paira no ar! Não me refiro à corrupção, à violência, à agressão ao
ambiente que também infectam o ambiente. Refiro-me ao vazio e à vulgarização das
ideias e pensamentos.
Por fim, por que a barra setenta
do título desta crônica? No próximo número, a dezena que aparece após o nome do
redator, no retângulo aqui embaixo, será, inapelavelmente, arredondada.
Paciência!