Jornalego
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JORNALEGO ANO VI - Nº. 177, em 20 de novembro de 2007
Crônica O FUTEBOL DA INTEGRAÇÃO
Sempre considerei um milagre a integração nacional de nosso imenso país. Isso me deixa muito orgulhoso como brasileiro. Depois que retornei da última viagem ao Acre, um amigo me perguntou se eu não me considerava num outro país quando me encontrava naquelas lonjuras. Orgulhosa e honestamente respondi que não. Sinto-me, em qualquer parte deste grande território, que conheço quase todo, como se estivesse em casa. Os costumes e os sentimentos básicos de brasilidade são comuns. Da língua à preferência pelo Flamengo (!). As diferenças regionais e os variados sotaques, mais compõem do que afetam a identidade nacional. Isso se deve, inicialmente, à colonização portuguesa na América que, diferentemente da espanhola, foi capaz, apesar dos grandes erros em sua administração, de manter o território íntegro. Veja o que deu a colonização espanhola do Rio Grande, na fronteira dos EUA com o México, para baixo e no Caribe: a ocorrência de dezenas de países. (“¿Por qué no te callas”?) Com isso, eu não defendo nenhum tipo de colonizador: nem portugueses, nem espanhóis, nem quaisquer espécies desse tipo de gente, enquanto colonizadores, não importa a forma com que se apresentem. Depois, logicamente, veio a participação da brava gente brasileira, desbravando os sertões, ultrapassando a linha do Tratado das Tordesilhas e expulsando os enxeridos invasores de nossas costas. Contudo o grande marco criador da nação brasileira foi a chegada da família real portuguesa ao Brasil. O país tem 507 anos desde o seu descobrimento, mas a Nação Brasileira vai completar somente 200 anos, ao comemorar a chegada de D. João VI e sua corte ao Rio de Janeiro em 1808. A civilização brasileira é, portanto, muito mais jovem do que a gente imagina. Ali foi quando começou o Brasil moderno. Depois veio a Independência e o Império. Esse durou 67 anos. E consolidou-se a integração do país. A nossa baixa auto-estima faz com que desprezemos o papel da família real portuguesa nos primórdios da Nação brasileira e do Império, caricaturando-a, ora como um bando de loucos ou bobos, babões, comedores de frangos, fanfarrões, mulherengos e bonachões, o que talvez tenham sido individualmente. Mas, aqui para nós, olhado bem de perto, ninguém é perfeito. E eles estavam na berlinda. Recentemente, historiadores e biógrafos competentes tentam resgatar o que de bom nos legaram esses senhores. O maior mérito: a independência e a integração nacional. Quanto à independência, eles foram muito inteligentes aproveitando a maré autonomista. “Pedro ponha a coroa em sua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela”. E o império se alongou e terminou com um monarca brasileiro. A nódoa no manto imperial foi a escravidão, abolida somente no penúltimo ano do regime. Que não passe pela cabeça de ninguém que essas considerações sejam favoráveis à volta da monarquia no Brasil. Só a apóio se eu for o rei. A monarquia é um anacronismo no mundo do século XXI. Viva a Democracia e a República! Apesar dos pecados originais e de outros tantos de seus defeitos. Enfim, ninguém ou nada é perfeito! Antes de prosseguir, quero fazer alguns registros a celebridades importantes para a construção da tão decantada integração brasileira. Para começar invoco as figuras de José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência e tutor de Pedro II, passando pelo Duque de Caxias, o Pacificador. Ainda no período imperial é interessante lembrar o Visconde de Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos, 1819-1880) que se destacou na questão da Província Cisplatina. Ele era o pai do Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior, 1845-1912) que, na República, se notabilizou na questão do Acre e por isso se tornou o patrono de nossa diplomacia. Esses, aqui vão citados porque tiveram papel importante no arremate das fronteiras do país. Ambos, argüindo o mesmo princípio (Uti Possidetis, o direito de a terra pertencer a quem realmente a ocupa); o primeiro defendendo a cessão daquela província para a constituição do Uruguai, e este incorporando o Acre ao Brasil. Na minha visão, houve justiça nos dois casos. E assim se formaram as fronteiras do Brasil de hoje. E o futebol? Quando aparecerá nesta crônica diversionista? Mais recentemente, além das comunicações, a tevê especialmente (para o bem e para o mal), destaca-se como grande fator de integração a paixão pelo futebol. Ei-lo! Quando se apresenta a seleção brasileira, em jogos amistosos ou oficiais, especialmente nas Copas do Mundo, superando as colorações clubísticas, todos, sem distinção, fazemos parte de uma grande massa populacional com os mesmos interesses. Atualmente, não há nada que integre mais o povo deste país do que a paixão futebolística. A propósito, a Independência e a República não foram movimentos que contaram com a participação popular. O futebol, embora nascido no ventre da elite do Rio de Janeiro, ganhou fama pela imensa participação da população. Daí seu sucesso. Agora, está decidido, vamos sediar a segunda Copa Mundial de Futebol, depois de sessenta e quatro anos: a de 2014. Serão jogadas partidas em, no máximo, doze cidades. Já se imagina o que não será feito e gasto para construir estádios, reformar outros, melhorar a infra-estrutura dessas cidades e do país de uma maneira geral, para acolher os atletas e, principalmente, os turistas, os torcedores. Temos sete anos para preparar isso. Período em que (se espera) os presidentes devam se suceder, como também, governadores, prefeitos, enfim, todas as autoridades e, por último, a maioria de nossos jogadores que estão sendo gestados nas escolinhas e nas várzeas deste país. Aqui se apresenta a grande oportunidade para revigorar este país e para a recuperação do amor próprio perdido diante de tantas mazelas testemunhadas neste último período republicano. Que o futebol seja a força motora dessa reconstrução. O Senador Cristóvam Buarque, em recente artigo, já abordava esse aspecto quando “imaginava” que o grande evento em que Presidente da República, ministros, governadores de estados e celebridades se teriam reunido seria para lançar as bases de uma grande revolução educacional no país. Nada disso acontecera, era uma reunião que celebrava a conquista do Brasil em sediar a dita copa. Desilusão! Não podemos correr o risco de organizar uma copa e esquecer-nos do país e do povo que a emoldura. Temos que organizar uma copa para receber os atletas e os espectadores, turistas, mas acima de tudo uma copa para o povo e que seus benefícios perdurem, para além do certame. Nada melhor, para aproveitarmos a oportunidade, do que lançar uma campanha para a construção de um novo país tendo em seu bojo um projeto de educação de sua população. O povo judeu (somente doze milhões de pessoas e 25% dos prêmios Nobel) se destaca pela ênfase na educação do seu povo. Nada mais do que isso. Flávio de Campos, pesquisador da história sociocultural do futebol, professor da USP, sobre o planejamento da Copa de 2014, diz: “Numa sociedade em que, cotidianamente, as fronteiras entre o público e o privado são tênues e promíscuas, o brasileiro corre um risco maior do que ser relegado à arquibancada: pode se tornar ator figurante de um grande espetáculo que submete as pessoas pelas imagens e cujo roteiro e direção não se ousa questionar”. (Em Tropa de Elite, que é um oportuno e excelente título para um artigo sobre a cartolagem no futebol). Que não nos transformemos unicamente num grande canteiro de obras para construção e remodelação de estádios. Haverá tempo para atentarmos para outros aspectos como a melhoria da infra-estrutura econômica (transportes, energia, comunicação), da segurança pública, da civilidade e, finalmente, mas não em último lugar, deflagrarmos uma cruzada contra a corrupção que geralmente campeia em tais circunstâncias. Não nos esqueçamos das obras dos últimos Jogos Pan-americanos que custaram algumas vezes mais do que o orçado originalmente. Não podemos envolver-nos pelo espetáculo e perder a oportunidade de montar nesse cavalo garboso que passa como uma grande oportunidade para renovar os propósitos da grande integração e da identidade nacional. E não esquecer que quem paga tudo isso é o povo e é ele que deve ser o maior beneficiário de tudo isso. “Civilização é melhor do que desenvolvimento”. Futebol é o pretexto. Independente das nossas conquistas nas quatro linhas dos campos de futebol, melhor será o nosso desempenho além desses retângulos de grama e cal. Se conquistarmos o heptacampeonato (sentiram a firmeza quanto à Copa de 2010?), melhor será. Até lá, no ano 2014, o JORNALEGO terá completado doze anos de existência, ultrapassado a 400ª edição e o número que se encontra aí em baixo, no retângulo final de cada texto, depois do nome do autor, atingirá 75. Assim espero ver a concretização de todos os meus sonhos! Ao despertar dessa hibernação de sete anos, aí então, poderei voltar a dormir em paz e não acordar nunca mais. “Não mais o sonho, mas o sono limpo de todo o excremento romântico” (Drummond).
Genserico Encarnação Júnior, 68. Itapoã, Vila Velha (ES)
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