JORNALEGO
ANO VI - Nº. 163, em 30 de
junho de 2007
Crônica
INFÂNCIA
Foi ontem de
noitinha quando o Dito morreu novamente. Fui dormir sentido, pensativo e sonhei
com ele. Acordei inusitadamente às quatro da manhã, passei um’agüinha nusóio
pra mode lê o finzim da primeira parte do Corpo de Baile, de João
Guimarães Rosa, numa linda edição comemorativa do qüinquagésimo ano de sua
publicação, belo presente que ganhei na passagem do meu aniversário.
Faz uns cinco anos
que conheci Miguilim, num livro que levava o seu nome em parelha com o de
Manuelzão. Agora, releio sua história, como personagem de Campo Geral, primeiro
“poema” do conjunto da obra Rosiana. Como foi triste reviver a dor da
morte do Dito e o sofrimento do seu irmão mais velho, Miguilim!
O dia estava raiando
quando terminei a releitura do romance, coroando a emoção da morte do Dito com o
seu desfecho. Miguilim foi um dos personagens mais marcantes na minha vida de
leitor. Mais do que o seu colega de edição, Manuelzão, e do que Riobaldo e
Diadorim. A propósito destes últimos, penso que o Rosa quis narrar um amor
homossexual no grande sertão, e, por pudicícia, revelou, ao final da história,
ao parceiro e aos leitores, que Diadorim era mulher. Isso me ocorreu depois de
assistir ao filme O Segredo de Brokeback Mountain que conta um caso de
amor homossexual no far-west americano.
Embora eu já tivesse
esquecido certos detalhes da primeira cena daquele bailado, como
também de outro livro que tem como tema a tenra idade, tais histórias não me
saíram mais da cabeça. A outra leitura a que me refiro é Infância de
Graciliano Ramos. Presumivelmente uma ficção autobiográfica. Curiosamente,
li-los, no estilo Machadiano, em duas das várias viagens que fiz a Rio Branco,
na ansiosa espera do nascimento dos netos acreanos.
Devia fazer parte do
currículo de um eventual curso para pais, em continuação aos ensinamentos para o
parto, a leitura obrigatória desses dois textos. O mundo da infância é um mundo
mágico completamente diferente do mundo em que vivem os adultos. Ele tem seu
próprio movimento de rotação, até a criança se soltar, se perder e se achar, nas
voltas da roda-viva da vida.
“Alegre era a
gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma” (JGR).
Numa
entrevista televisiva assistida recentemente, uma médica aconselhava aos pais
alimentar bem, cuidar da saúde, preocupar-se com a educação, dar carinho a seus
filhos e calar a boca. Esta expressão final representa uma crítica ao
monte de besteiras, repreensões, exigências, cobranças, explicações e que tais,
que os pais, no intuito de seus filhos serem adultos bem-sucedidos, enchem a
cabeça, o tempo e a paciência deles, aumentando-lhes a ansiedade e a confusão
mental. Às vezes traumatizando a garotada. Os pais querem que seus descendentes
sejam tudo o que eles não foram, o que, seguramente, é o pior caminho para
conseguirem o que chamam de sucesso, ou seja: chegar lá, ser um winner,
ou outras parlapatices da moda.
Dos textos
aludidos sobressai, além da poética dos personagens miúdos, a intolerância dos
pais, especialmente do macho ou do machismo também incutido nas mães,
principalmente pela ignorância deles, no livro, isolados nas lonjuras dos
sertões brasileiros e mais longe ainda do conhecimento da psicologia infantil. A
coisa melhorou bastante nos últimos tempos, mas ainda não o suficiente. Se o
antanho levou o atraso, a modernidade trouxe novos problemas.
A grandeza da
infância parece que cresce à medida que a gente se distancia dela, seja pela
velhice chegando, seja pelos netos rebentando. Acredito que os avós têm uma
visão senão mais apurada, pelo menos mais tolerante, da infância, do que os
pais. Isso não os exime de qualquer influência maléfica que tenham cometido como
pais e venham a cometer, na sua convivência com os pequenos, enquanto avós
presentes e ativos. Enfim, a relação é complexa e delicada.
Tenho uma
amiga que toda vez que vê um bebê, sem falar, sem andar, sem vontades
explícitas, morre de pena deles, pelo seu estado de dependência, totalmente à
mercê de adultos que, às vezes não estão preparados para lidar com essa
situação. Escrevo isso, embora, ultimamente, tenha testemunhado comportamentos
exemplares de jovens pais.
Como este
número se bastou pequeno, sugiro, para terminar, a releitura (?) do também
pequeno conto O Mundo Encantado da Infância, de 30 de outubro de 2002, no
site do JORNALEGO, clicando no atalho:
http://www.ecen.com/jornalego/no_19_o_mundo_encantado_da_infancia.htm