JORNALEGO
ANO V - Nº. 129, em 10 de
Maio de 2006.
Crônica
DE CAUSAR ESPÉCIE
Causa-me espécie muita cousa
além da espécie que me causam as espécies dos políticos, dos governantes e
autoridades em geral.
Por exemplo, entre muitos:
Causa-me espécie o que li e vi
no dia 05 do mês passado no jornal A GAZETA (ES): uma foto com um grande grupo
de jovens, todos brancos, todos sarados, de uma escola particular da capital,
afirmando que, na inscrição para o vestibular, vão se declarar afro-descendentes
ou pardos para ser beneficiados pelo regime de cotas que poderá ser adotado pela
Universidade Federal.
Causa-me espécie saber que em
algumas construções são feitas modificações no projeto e na própria obra para
atender às posturas municipais e aos pré-requisitos do habite-se, para
depois serem destruídas e reconstruídas ao gosto dos proprietários da
edificação, contrariando aquelas posturas.
Causa-me espécie o fato de
alguns proprietários de casas de praia canalizar o esgoto para a rede de águas
pluviais que são escoadas nas mesmas praias onde suas famílias freqüentam.
Causa-me espécie o fulano que
recebeu uma nota falsa de cem dólares e, ao saber do fato, passou-a
imediatamente para frente.
Causa-me espécie o uso
ardiloso de vários expedientes para a falsificação de informações visando à
sonegação de impostos.
Causa-me espécie saber que
mais de 60% das empregadas domésticas nas principais cidades brasileiras não têm
carteiras de trabalho assinadas e não descontam para o INSS.
Causa-me espécie o empregador
cobrar o INSS do empregado e não recolhê-lo, bem como não recolher o Fundo
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do trabalhador.
Causa-me espécie a notícia de
que três motoristas de Brasília (seriam políticos?) colecionam multas de
trânsito que montam a mais de quinhentas; o mais bem classificado atingiu quase
setecentas infrações.
Causa-me espécie saber que uma
pesquisa do Ibope mostrou que 60% dos entrevistados, indagados sobre se tirariam
algum proveito indevido do poder, caso tivessem algum cargo público, afirmaram
que empregariam familiares.
Causa-me espécie saber que,
pela mesma pesquisa, 43% dos entrevistados aproveitariam viagens oficiais para
lazer, caso exercessem algum cargo público.
Causa-me espécie a quantidade
de lixo jogada nas ruas. Enquanto escrevo, minha cidade sofre com uma greve de
garis, e as ruas encontram-se sujíssimas (não me refiro ao lixo acondicionado em
sacolas para a posterior coleta; trata-se de lixo espalhado pelas ruas).
Causa-me espécie ver inúmeros
motoristas a falar em seus celulares enquanto dirigem, e outros a simular o uso
dos cintos de segurança, para burlar a vigilância.
Causa-me espécie o pagamento
de propinas para evitar multas de qualquer espécie.
Causa-me espécie tanto o
corruptor quanto o corrupto.
Causa-me espécie ter
consciência de que sou parte dessa espécie.
Causa-me espécie esta
expressão que não sei de onde vem, e mais: para onde vamos com essa variedade de
especiarias. Será que vamos descobrir outro caminho para as Índias? Acho
que andamos à deriva, desta feita sem contar com as calmarias que bem nos
poderia ajudar a redescobrir o Brasil.
Por fim, ficaria satisfeito,
pelo menos, em saber a origem dessa expressão. Valham-me mestre Cotrim e
professor José Augusto!
---------------------------------------
P.S. Na
oportunidade (lamentável) das cenas ocorridas no segundo final de semana deste
mês em São Paulo (rebeliões em presídios, queima de ônibus, atentados a postos
policiais, agências bancárias e caixas eletrônicas, resultando em mais de 100
mortos), sugiro a releitura do JORNALEGO Nº. 31: “movimento.sem.br”, de 10 de
Março de 2003.
Acesse o atalho:
http://www.ecen.com/jornalego/no_31_movimento.htm