Jornalego
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JORNALEGO ANO IV - Nº. 119, em 10 de Janeiro de 2006. Crônica delirante GLOBANALIZAÇÃO
Essa história de globalização começou muito antes das caravelas ibéricas. É mesmo anterior aos navegantes fenícios e nórdicos. Põe tempo nisso! A tendência globalizante vem desde a criação da humanidade, mais precisamente quando de um monte de barro foi criado o homem e de um pedaço do homem a mulher. O que só foi possível porque os movimentos feministas ainda não existiam, permitindo o expediente politicamente incorreto do Pai Eterno. Talvez para compensar essa decisão arbitrária, o Todo-Poderoso que vinha se sentindo muito todo-poderoso, quis dar uma de democrata. Imaginou submeter às suas criaturas uma decisão que marcaria a vida dos humanos, instituindo o que passou a ser conhecido como livre arbítrio. Adão e Eva vinham se esgueirando por recantos recônditos ou enfurnando-se em grutas de alta rotatividade, na tentativa de sair do raio de visão do Big Father que, onisciente, continuava completamente senhor da situação. Era somente uma forma de pressão para mostrar os anseios e pleitos da pequena comunidade. O casal ainda não ferira o código de ética paradisíaca, ficava somente nos jogos introdutórios sem chegar à introdução propriamente dita. Com isso, só aumentava a tensão para consumarem o inevitável. Mas, obedientes e tementes ao Altíssimo, não caíram em tentação. Até que... Pintou o referendo. A questão colocada para o casal edênico foi: “Se vocês querem continuar vivendo no Paraíso, é compulsória a manutenção da castidade”. “Vocês concordam?” “Sim ou Não?” Estava implícito que naquele espaço não seriam permitidos desfrutes sexuais. Estão aí a Bíblia e a mídia para comprovar que não estamos a inventar lorotas. Foi indiscutível a vitória do Não. Unanimidade no resultado: 2 x 0. Dessa forma, aquele casal pioneiro da raça humana foi banido da intimidade divina, já acenando para Deus e para o mundo o que a humanidade, deles descendente, viria a ser. A grande compensação estava naquele delicioso rock and roll e suas mirabolantes derivações. Do Paraíso, como todos sabiam, nasciam quatro dos grandes rios conhecidos. Navegando pelas águas de um deles, o casal teve acesso, na Biblioteca de Alexandria, ao livro Visões do Paraíso, de Sérgio Buarque de Holanda. Ah! Agora está claro, se eles foram ter à Alexandria, desceram pelo Nilo. Assim fica comprovado que o Éden ficava na África, de onde, por certo, se mudou há muito tempo pelo que se vê das condições precárias deste continente. Perdidos no mundo e com o conhecimento adquirido com o Pai do Chico, quiseram procurar o Paraíso em outras plagas para ver se assim voltavam a viver paradisiacamente, sem a rigorosa vigilância do Supremo Mandatário. Empanturravam-se de maçãs e já andavam reclamando da vida no orbe, tanto que criaram a expressão “vale de lágrimas”. Aquela fruta era o único alimento de que dispunham. E tome maçã de manhã, de tarde e de noite! Foi assim, de tanto comer maçã que Eva deu à luz um menino que, por vontade paterna, passou a se chamar Abel. Pelo mesmo escritor, que mais tarde se notabilizou por ser um dos fundadores do PT, tiveram notícia de outras terras no poente do esférico mundo. Da esfericidade do planeta desconfiavam, só não espalhavam tais idéias com medo da Santa Inquisição. Conhecedores de algumas bisbilhotices do pasquim “Aviso aos Navegantes”, construíram, com a técnica utilizada por refugiados cubanos, uma balsa que os levou às terras ibéricas dos grandes exploradores marítimos. Usaram a rota mediterrânea. Foram informados que certo almirante genovês estava prestes a firmar contrato com o Real Madrid para uma expedição visando descobrir novos craques de futebol no além-mar. O casal imaginava que pelo outro lado do globo poderia estar uma filial do paraíso ou o local para onde ele se mudara. Assim, fizeram contato com o navegador que ia partir daí a poucos dias para essa banda, convencendo-o de levá-los em sua viagem de descobrimento a um Novo Mundo. Este aceitou os passageiros de olho no que as sumárias vestimentas de Eva, simples folhas de parreira (grife exclusiva de um famoso técnico de futebol), lhe permitiam entrever e imaginar. Antes, o aludido casal já tinha deixado aos cuidados de uma camela o pequeno Abel que, viajando em caravana num camelódromo foi se instalar num aprazível sítio da Ásia Menor. Atravessando o mar oceano, senhor e senhora Adão foram informados da existência, em novas terras, de outros quatro grandes rios. Conclusão: o paraíso mudara pra essas bandas! E assim se fixaram em terras abaixo do equador, onde sabidamente não existem pecados, haja vista a impunidade dos grandes corruptos por esses lados. O paraíso deveria se situar por essas latitudes. Prosseguiram a vida, à procura de sombra e água fresca, sempre se alimentando de maçãs, até que a barriga da Eva começou a crescer novamente de tanta ingestão do saboroso e pecaminoso fruto. Após nove meses foi dado à luz mais um lindo bebê que recebeu na pia batismal o nome de Caim. Eva não havia gostado dos nomes dados aos fedelhos, argumentando que a intuição feminina lhe dizia que eles poderiam gerar briga em família. Mas, prevaleceu a vontade masculina. Caim, quando atingiu certa idade, foi adotado por uma ursa e mandou-se mais para o norte se fixando inicialmente no litoral de um belo golfo. A partir daí embrenhou-se terra acima, utilizando um extenso rio que atravessava aquele imenso território ao norte das terras recém-descobertas. Os pimpolhos foram crescendo bem-alimentados com leite de camela e de ursa, respectivamente. Ao chegarem à idade adulta começaram a procriar, não se sabe exatamente com quem. Tribos indígenas de um lado e nômades do outro, saídas também não se sabe de onde, disponibilizaram algumas matrizes para essa propagação populacional. Seus descendentes assumiram novos credos para melhor administrar a população crescente das regiões em que viviam, bem como com o intuito de explicar o inexplicável e atender as necessidades de fantasia das gentes. E ainda acham que os ficcionistas é que têm idéias fantasiosas! Pelo lado do sol poente, uma nova religião, mais pragmática, medrada no seio de outra muito antiga, foi adotada por um império em decadência, desvirtuando os ensinamentos do seu inspirador. Reformada mais tarde, prestou-se por excelência às várias etapas evolutivas do capitalismo emergente: feudalismo, mercantilismo, colonialismo, industrialismo, armamentismo e todos estes mimos da civilização ocidental. Os descendentes de Caim passaram a dominar todo o ocidente e a subjugar o oriente. A China, o Japão, a Índia, o Oriente Médio, a África, a Oceania e o seu próprio quintal sul e centro americano. A Rússia pré-comunista fazia coro (como a pós-comunista também passou a fazer) ao que sucedeu a civilização greco-romana. Deram-se então os períodos de chumbo, paradoxalmente conhecidos como o da Pax Britânica seguida do da Pax Americana. Foi quando, norteados pelas idéias de Monteiro Lobato, descobriu-se petróleo – o ouro negro – em terras americanas. Para o bem ou para o mal ainda não inventaram nada que viesse substituir essa energia anacrônica e poluente, com viabilidade econômica e técnica para desbancá-la. Do lado do sol nascente, os descentes de Abel, criaram também a sua própria religião e foram dominados com o sempre prestimoso auxílio das elites locais que enriqueceram, vendendo os direitos da exploração do novo grande sustentáculo do desenvolvimento econômico, o petróleo, descoberto em abundância em seus domínios, para os descendentes de Caim. E assim caminhou a humanidade até o descarte do continente africano e a incorporação às idéias capitalistas do grande e mais populoso continente asiático. A expansão do mercado assim exigia e assim foi feito. Saindo dessa escorregadela com alguns laivos de seriedade neste texto delirante, voltemos ao trilho imposto a esta crônica. Só a sátira salva! Eva estava certa. Aqueles nomes iriam provocar guerra em família. Depois de algumas refregas deflagradas intra-muros e expandidas até aos limites do mapa-múndi, restava o confronto entre as tribos de Abel e a de Caim. Nesta luta, cara a cara, pode ser que a história bíblica tenha se confirmado simbolicamente, com Caim matando Abel, em terrenos mesopotâmicos e pedregosos. É como se diz em linguagem militar, vence-se uma batalha, mas a guerra continuou. Contudo, nada disso interessa sob a perspectiva de como tudo terminou. Quanto ao fim, todo mundo sabe no que deu: a hecatombe global, provocada pela impossibilidade de conter as ambições políticas e econômicas das facções engendradas por séculos e séculos de civilização (!), provocada pelas guerras, poluição ambiental, os grandes cataclismos localizados ou generalizados e, ao final, a destruição total. Não ficou nem eu para contar a história, nem você, sensível e paciente leitor, para lê-la. Se você chegou até aqui, fique sabendo, foi também catapultado dessa vidinha gostosa, quando e onde se podiam inventar verdadeiras imbecilidades em forma de textos sem compromissos, embora menos perigosos e imbecis do que as experiências que causaram este trágico armagedom. Não sobrou ninguém. O bem e o mal, os bons e os maus foram, juntinhos, indistintamente, extintos da face da Terra. Agora só nos resta encarar o Juízo Final. E assim chegamos ao fim.
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