JORNALEGO
ANO IV - Nº 105, em 20 de
Junho de 2005.
Opinião
O ESPÍRITO SANTO VAI VIRAR
BOLÍVIA
Voltei para minha terra natal, já
aposentado, em 1997, depois de um périplo por mais de três décadas por outros
brasís. Vim participar de um governo estadual que já cumprira a metade de seu
mandato. Encontrei-o cheio de projetos aos quais me aliei tornando-me um dos
seus entusiastas.
Entre os projetos, destacavam-se os da
área de energia, minha especialidade. Os principais eram:
1 - Construção do gasoduto Cabiúnas (RJ) -
Vitória para receber o gás natural da bacia de Campos e eventualmente de outras
origens;
2 - Utilização de parte desse gás no complexo
mínero-siderúrgico da Grande Vitória, sua expansão, com a construção de uma
usina termelétrica;
3 - Desenvolvimento dos campos de gás natural
de Peroá e Cangoá, no norte do estado para utilização em usina termelétrica a
ser construída naquela região;
4 - Criação de uma companhia de distribuição de
gás canalizado em substituição às atividades da atual concessionária, para
atender o aumento do consumo do gás natural a partir das novas disponibilidades
do combustível;e
5 - Criação de uma agência reguladora dos
serviços públicos estaduais.
Não vou entrar no porquê de essas
iniciativas não se terem concretizado da forma acima descrita. Algumas delas
estão sendo efetivadas atualmente, embora com propósitos e direcionamentos
diferentes. Contudo as principais causas da inércia foram, sem dúvida, a
privatização da empresa que iria constituir-se no principal pólo de consumo, a
CVRD, e a fraqueza econômica e política do estado.
O móvel principal dos projetos era
aumentar o mercado do gás natural no Estado. O gás daqui seria utilizado aqui
mesmo, complementado com o gás de fora.
Essa agenda foi descuidada no governo seguinte
que se entusiasmou com as perspectivas de exploração e produção de petróleo e
gás nas costas capixabas. Efetivamente, as expectativas estão se concretizando,
mas tudo leva a crer que o petróleo será refinado alhures, e o gás servirá a
outros mercados.
Ficaremos tão-somente com os royalties,
pequena participação nos investimentos e alguns serviços correlatos. O grosso
dos benefícios da nova indústria – os chamados valores agregados aos produtos de
uma atividade extrativa – será colhido pelos estados que nos circundam, de maior
expressividade econômica e política.
A agenda anterior incorria na
utilização não tão nobre do gás natural, há que se confessar. Por exemplo,
fritar pelotas de minério de ferro não é a melhor maneira de usar o gás.
Tampouco a utilização do gás na geração termelétrica. Contudo aquele consumo
daria uma ancoragem melhor aos seus projetos e as termelétricas viriam
aumentar a nossa autonomia no frágil esquema de oferta de energia elétrica do
estado, no contexto de uma também frágil situação nacional. As mais nobres
utilizações do gás natural são como matéria-prima para a indústria química e sua
utilização energética no consumo doméstico (incluindo sua transformação em gás
de botijão), industrial, comercial ou veicular.
Hoje a agenda é outra. Os campos de
Peroá e Cangoá estão sendo desenvolvidos não para geração de energia elétrica (a
interligação com a CEMIG - MG atenua a fragilidade do estado, situado na ponta
de linha do sistema sul-sudeste-centro-oeste), e a ligação dos nossos gasodutos
aos dois sistemas (nordeste e sudeste) tem como fito o escoamento do grosso do
gás aqui produzido para outras plagas. Plagas essas que já estavam se
ressentindo da falta do produto pelo crescimento vigoroso do mercado nacional. O
Espírito Santo, mesmo com o concurso do gás boliviano, estava fadado a ser o
pulmão do mercado de gás natural no Brasil.
Com os acontecimentos recentes na
Bolívia, o abastecimento gaseífero daquele país ao Brasil está correndo perigo.
A Petrobras, preocupada, já está olhando com mais carinho para o escoamento da
produção capixaba, aumentando os investimentos por aqui.
Aí mora o perigo! O Espírito Santo vai
virar Bolívia, suprindo com o seu gás o sedento (qual seria o termo para gás?)
mercado brasileiro.
A população boliviana está se
revoltando contra essa situação de exploração, vendo escoar suas preciosas
reservas de gás natural para um país vizinho.
Se não forem tomadas algumas medidas para
reverter esse quadro que, acredito, já viriam tarde, o cenário a vingar é este,
pintado neste artigo opinativo.
Este é o futuro do Espírito Santo. Vai virar
Bolívia, com um agravante: sem a brava gente boliviana.