JORNALEGO
ANO IV - Nº 102, em 20 de Maio de 2005.
Crônica
ILUSÕES PERDIDAS
A Comédia Humana é uma extensa
crônica das imperfeições e desencontros do gênero humano a que o gênio humano
contrapôs a Divina Comédia. Em verdade é o contrário. Cronologicamente, o poema
dantesco é anterior ao romance balzaquiano.
Os defeitos de fabricação e as idiossincrasias
são inerentes à natureza humana e devem ser assumidos. Assim como os
desencontros. Estes, por se tratarem da não-realização dos desejos, são
patéticos.
Exemplificando: duas pessoas que se
amam (ou com a pretensão de se amarem) marcam um encontro para as 17 horas. Uma
chega corretamente às 5 horas da tarde, espera por uma hora, desiste do encontro
e vai embora xingando a outra. A outra, confundindo-se, chega às 7 horas da
noite, espera por uma hora, desiste do encontro e vai embora xingando a uma. Aí
está o patético do desencontro, o desejo do encontro não consumado por um
mal-entendido sobre o horário.
Ainda no caso do amor, pois estamos
preparando o terreno para contar um deles: quantas almas-gêmeas se encontram
separadas sem a oportunidade de um encontro? Mais drástico e comum: a
não-simultaneidade do desejo e do prazer, em suas várias formas.
Pois bem, depois deste intróito,
vamos apresentar a nossa história – na realidade duas histórias paralelas –
inicialmente introduzindo os personagens. Vamos chamá-los, para que não sejam
identificáveis na vida real, de onde buscamos inspiração, dos tradicionais nomes
de João e de Maria que tanto nos brindaram em suas aparições em histórias da
carochinha, simbolizando os dois lados do gênero humano.
João é um quarentão, boa-pinta, bem
de vida, solteiro por convicção. Tem várias namoradinhas reserva e uma namorada
titular, mas que não moram na concentração. Aproximando-se do seu cinqüentenário
ele já começa a se preocupar com as adiposidades abdominais, com uma careca em
progressão e... com seu desempenho sexual. Que, diga-se de passagem, é normal. É
gentil, amoroso, atencioso com o sexo oposto e, por causa, muito demandado pelo
mulherio.
Tendo viajado para outra cidade
para participar da festa de aniversário de um grande amigo, estava esperançoso
em poder consumar um flerte que mantinha por ali com uma bela mulher,
recentemente descomprometida de um casamento frustrado. Municiou-se de um
comprimido de Viagra (100 mg) para garantir a sua boa figura naquela noite de
amor. Divertiu-se a valer, dançou e conversou com o alvo de suas pretensões. Lá
para as tantas, prevendo o final da festa, tomou a sua drágea e já estava
ansioso quando recebeu os cumprimentos de sua amada, dizendo que deveria se
recolher, pois viera acompanhada dos pais. Decepção só amenizada com a promessa
de um telefonema no dia seguinte.
Maria, por seu turno, do outro lado
da cidade, era uma empregada doméstica que viera do interior do estado,
aficionada por telenovelas, doida para ter um caso de amor, arranjar um bom
partido e se casar. Aconselhado pela patroa, passou a tomar a pílula
contraceptiva para evitar filhos indesejáveis, na espera do seu príncipe
encantado. Depois de seis meses de disciplinada ingestão do remédio, desistiu de
tomá-lo. Não arranjara um único namorado. Relaxou.
João, padeceu durante toda a noite,
com uma crise de priapismo, que o impossibilitou de dormir de bruços, sua
posição preferida. Só nas primeiras horas da manhã conciliou o sono. Acordou,
tomou seu brunch no hotel e voltou a dormir. Foi acordado com o
telefonema da sua amiga, agora completamente livre e pronta para se encontrar
com ele. Marcaram o encontro para o final da tarde, no hotel onde se hospedara.
Ali, sem sair durante todo o dia do apartamento, recebeu a sua amada.
Maria, sem mais cogitar das
conquistas amorosas, por fim arranjou um namorado. Tão empolgada que estava
andou se perdendo nos carinhos dele.
João, preocupado, sem a pílula,
brochou.
Maria, despreocupada, sem a
pílula, engravidou.