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Nº 339:Discurso de Despedida
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ANO IV - Nº 102, em 20 de Maio de 2005.

Crônica

ILUSÕES PERDIDAS

             A Comédia Humana é uma extensa crônica das imperfeições e desencontros do gênero humano a que o gênio humano contrapôs a Divina Comédia. Em verdade é o contrário. Cronologicamente, o poema dantesco é anterior ao romance balzaquiano.

Os defeitos de fabricação e as idiossincrasias são inerentes à natureza humana e devem ser assumidos. Assim como os desencontros. Estes, por se tratarem da não-realização dos desejos, são patéticos.

            Exemplificando: duas pessoas que se amam (ou  com a pretensão de se amarem) marcam um encontro para as 17 horas. Uma chega corretamente às 5 horas da tarde, espera por uma hora, desiste do encontro e vai embora xingando a outra. A outra, confundindo-se, chega às 7 horas da noite, espera por uma hora, desiste do encontro e vai embora xingando a uma. Aí está o patético do desencontro, o desejo do encontro não consumado por um mal-entendido sobre o horário.

            Ainda no caso do amor, pois estamos preparando o terreno para contar um deles: quantas almas-gêmeas se encontram separadas sem a oportunidade de um encontro? Mais drástico e comum: a não-simultaneidade do desejo e do prazer, em suas várias formas.

            Pois bem, depois deste intróito, vamos apresentar a nossa história – na realidade duas histórias paralelas – inicialmente introduzindo os personagens. Vamos chamá-los, para que não sejam identificáveis na vida real, de onde buscamos inspiração, dos tradicionais nomes de João e de Maria que tanto nos brindaram em suas aparições em histórias da carochinha, simbolizando os dois lados do gênero humano.

            João é um quarentão, boa-pinta, bem de vida, solteiro por convicção. Tem várias namoradinhas reserva e uma namorada titular, mas que não moram na concentração. Aproximando-se do seu cinqüentenário ele já começa a se preocupar com as adiposidades abdominais, com uma careca em progressão e... com seu desempenho sexual. Que, diga-se de passagem, é normal. É gentil, amoroso, atencioso com o sexo oposto e, por causa, muito demandado pelo mulherio.

            Tendo viajado para outra cidade para participar da festa de aniversário de um grande amigo, estava esperançoso em poder consumar um flerte que mantinha por ali com uma bela mulher, recentemente descomprometida de um casamento frustrado. Municiou-se de um comprimido de Viagra (100 mg) para garantir a sua boa figura naquela noite de amor. Divertiu-se a valer, dançou e conversou com o alvo de suas pretensões. Lá para as tantas, prevendo o final da festa, tomou a sua drágea e já estava ansioso quando recebeu os cumprimentos de sua amada, dizendo que deveria se recolher, pois viera acompanhada dos pais. Decepção só amenizada com a promessa de um telefonema no dia seguinte.

            Maria, por seu turno, do outro lado da cidade, era uma empregada doméstica que viera do interior do estado, aficionada por telenovelas, doida para ter um caso de amor, arranjar um bom partido e se casar. Aconselhado pela patroa, passou a tomar a pílula contraceptiva para evitar filhos indesejáveis, na espera do seu príncipe encantado. Depois de seis meses de disciplinada ingestão do remédio, desistiu de tomá-lo. Não arranjara um único namorado. Relaxou.

            João, padeceu durante toda a noite, com uma crise de priapismo, que o impossibilitou de dormir de bruços, sua posição preferida. Só nas primeiras horas da manhã conciliou o sono. Acordou, tomou seu brunch no hotel e voltou a dormir. Foi acordado com o telefonema da sua amiga, agora completamente livre e pronta para se encontrar com ele. Marcaram o encontro para o final da tarde, no hotel onde se hospedara. Ali, sem sair durante todo o dia do apartamento, recebeu a sua amada.

            Maria, sem mais cogitar das conquistas amorosas, por fim arranjou um namorado. Tão empolgada que estava andou se perdendo nos carinhos dele.

            João, preocupado, sem a pílula, brochou.

            Maria, despreocupada, sem  a pílula, engravidou.

 

Genserico Encarnação Júnior

Itapoã, Vila Velha (ES)

mailto:jornalego@terra.com.br

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