JORNALEGO
ANO III - Nº 100, em 20 de Abril de 2005.
Crônica-sanduíche com
recheio de pretensa poesia.
SEM
Como visto e sabido, galgamos o número cem do JORNALEGO. Há alguns dias
estou querendo escrever algo inteligente para condizer com a marca
alcançada em quase três anos de existência.
Estou sem assunto para lhes apresentar. Não por carência de.
Acontece que a ansiedade, a pretensão de escrever algo genial, provocou um
branco em minha pobre mente. Olhem quanta coisa: a vida severina em
Brasília; a coreografia colorida dos cardeais para a eleição do papa no
liliputiano estado vaticano (de resultado tão decepcionante quanto a reeleição
do Bush) ou, ainda, o fim do príncipe coadjuvante da graciosa atriz. Nada disso
me sensibilizou a ponto de transformar tais ocorrências em palavras.
Por outro lado, não é que me falte imaginação para escrever contos,
historinhas de ficção bem boladas e com epílogos surpreendentes. Ela, a
imaginação, tem sido generosa, só que não me acode na profusão desejada pela
apertada agenda jornalística. Acontece que estamos em plena temporada de
concursos e aqueles textos que me saem mais bem estruturados, mais espirituosos,
eu os encaminho aos organizadores desses certames, que exigem ineditismo. Suas
divulgações ficam para o final desses eventos, com a consagração ou não (o que é
mais provável) dos respectivos jurados.
Assim, o número cem ficou com cara de número sem.
Isso, contudo, me remete a outro tipo de
reflexão. O que estou fazendo aqui neste pedaço? Massageando o ego?
Exibindo um ralo verniz cultural? Expondo as discutíveis qualidades de
escrevinhador? (Não-apoiado, ouço ao longe vozes tímidas e gentis). Espantando a
solidão sexagenária? Querendo chamar a atenção de maneira mais aceitável do que
pendurando uma melancia no pescoço? Procurando alguma forma de transcendência
quando não mais acredito na transcendência espiritual? Para que serve essa babel
de palavras, essa exumação periódica de idéias?
Essas considerações, me levam a ressuscitar um poemeto
adolescente, cometido há exatamente 25 anos, como forma de continuar
enchendo lingüiça nesta crônica sem assunto. Vamos a ele, acionando os
comandos “copiar” e “colar”:
A QUEM INTERESSAR POSSA
Acima de tudo,
minha poesia
(se assim posso chamá-la)
é a procura da verdade,
levada a fundo,
às últimas conseqüências.
Minha poesia procura ser
antideclamação.
É exposição,
De mim e dos outros, segundo eu.
Autópsia, ainda em vida,
deste pré-cadáver.
Mas tem também
extravasamento de excessos
e alguma vaidade de me mostrar bonito.
De querer ser bonito.
De amar e ser amado.
É uma forma de rezar
(depois que desaprendi a fazê-lo).
É um grito lancinante de socorro.
Um choro.
Um sorriso.
Uma maneira adulta, sutil,
de substituir o grito infantil,
noturno, de
Mamãe!
Um poema bem juvenil embora já tivesse completado 40 anos!
Talvez, nesse final de crônica eu tenha descoberto uma razão perfeitamente
aceitável para ter criado e alimentado o JORNALEGO. Preencher meus vazios e
conviver com seus silêncios.
Ufa! Cheguei ao número cem!
Ufa! Cheguei ao final da crônica!