ANO XIII - N°
359, em 10 de junho de 2014.
Prosa
e verso/Prosa em verso/Verso em prosa/Verso e Prosa: Proesia!
NAVE/AVE PARTINDO
Adquiri, numa loja de decoração, uma gravura com o nome
“Nave/ave partindo”, modernamente emoldurada. Um desenho do qual
emanava uma explosão de vários tons de amarelo, a irradiar forte
luminosidade, que eu sempre associei à luz solar. Indistintamente, a
simbolizar uma ave ou uma nave, em processo de alçar voo ou de
decolar. Um corpo central volumoso ladeado por asas abertas,
parcialmente expostas que ultrapassam os limites laterais do quadro.
Várias camadas de amarelo, do mais vivo ao mais pálido, quase
branco, sugerem o movimento nervoso e contínuo do esforço de
alçar-se ao espaço num bater de asas. No caso da espaçonave sente-se
a propulsão de turbinas impelindo-a ao alto na sôfrega luta para
vencer a gravidade terrestre. Logo abaixo do corpo central um
contrapeso pendular aumenta a necessidade do esforço e garante a
manutenção do equilíbrio necessário.
Correm em direção contrária ao observador, desse para
dentro do quadro, dirigindo-se a uma pequena estrela na parte
superior do quadro, longínqua, bem ao alto, simbolizando uma quimera
qualquer.
Imagina-se que, nos instantes seguintes, o objeto voador
atingirá a altura desejada e planará pacificamente ao sabor dos
ventos. No caso da nave, seus motores serão acionados para manter a
velocidade de cruzeiro adequada para um voo relaxante.
Estava ainda no início de minha carreira profissional,
recém-saído dos bancos escolares. Convivi durante anos e ainda
convivo com esta alegoria, acompanhando-me nas cidades e moradias
por onde passei. Inicialmente, no meu quarto de dormir, mais
recentemente, com a saída de casa dos filhos, tenho o luxo de ter um
espaço só pra mim a que chamo de escritório. Poderia chamá-lo também
de dormitório porque é lá que tenho os meus sonhos mais maduros na
vigília da leitura ou da escrita.
Passaram-se anos. Veio a ociosidade profissional.
Num repente, não mais que de repente, num olhar
distraído, passei a observar que a gravura apresentava algo
diferente. Seu motivo sofreu uma significativa mudança. Mudou de
direção e propósito. O objeto mutante agora corre do interior do
quadro para fora, na minha direção. A quimera continua lá no alto,
inalcançável. Agora a ave/nave procura o pouso, a aterrissagem. Não
mais se esforça em catapultar o pesado corpo. Voa manso, sem grandes
ruídos, embora sem dispensar a energia necessária para o controle da
descida, deixando-se cair, na esperança de um pouso suave.
Ave/nave chegando ao fim da jornada.