ANO XII- N°
343, em 30 de outubro de 2013.
Crônica Histórica - III
1930-1946-1964-1988 - III
(continuação)
1964 – O golpe e a ditadura militar.
“Nem
mesmo todo o oceano lavaria as culpas que lhe vão na alma”. Dessa
frase da Ilíada, de Homero, Alcione Araújo (1945-2012) retirou o
título de um livro espetacular de sua autoria, romanceando as
atrocidades do regime militar brasileiro (Nem mesmo todo o
oceano-1998).
Para começar, é interessante destacar que a tomada de
poder pelos militares foi amplamente apoiada pela classe média e
alta, com as bênçãos da Igreja Católica e o assessoramento dos
Estados Unidos.
A ideia do golpe era barrar a implantação no Brasil de
uma República Sindicalista do tipo comunista e conter, portanto, a
subversão ao regime democrático e à sempre presente corrupção. O
golpe iria interromper o “plano diabólico” das esquerdas e, logo
depois, retornaria ao processo democrático, com eleições livres. A
ditadura durou 21 anos, passando por cinco presidentes generais até
o retorno do poder civil em 1985.
Foram cassados inúmeros políticos com a perda respectiva
de seus mandatos e direitos políticos por dez anos. Muitos deles
tinham sido expoentes políticos que apoiaram velada ou abertamente o
movimento militar, a exemplo de Carlos Lacerda, Ademar de Barros,
Jânio Quadros e Juscelino Kubitscheck. Senadores, deputados,
vereadores e alguns governadores foram também cassados. O governador
de Pernambuco, Miguel Arraes foi preso e degredado para a ilha de
Fernando de Noronha. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul
foi para o exílio, no Uruguai. O do Espírito Santo foi defenestrado.
João Goulart refugiou-se também no Uruguai, onde passou o seu exílio
até a sua morte.
O Congresso Nacional foi fechado algumas vezes, tendo
sido reaberto para validar a posse dos generais presidentes. O
sistema partidário foi desfeito, permitindo-se tão somente dois
partidos, um da situação e outro da oposição, Arena e MDB,
respectivamente. Falava-se, à época, tratar-se de um partido do “sim
senhor” e outro partido do “sim”.
Durante o período militar os territórios federais foram
transformados em estados. Alguns estados foram divididos. Criou-se a
figura do Senador biônico, eleito indiretamente pelas Assembleias
Legislativas estaduais. Tudo para aumentar a representatividade do
governo no Parlamento Federal. Por outro lado, fundiram-se os
estados do Rio de Janeiro com o da Guanabara, este criado quando da
mudança da capital para Brasília.
Inicialmente, elegia-se um vice-presidente civil. Assim
foi nos dois primeiros mandatos. O primeiro jamais chegou a
substituir o titular. Logo a seguir, com a doença e morte do segundo
presidente general, o vice não conseguiu assumir o mandato que lhe
cabia, mesmo por eleição indireta e de cabresto por um Colégio
Eleitoral moldado à feição dos militares. A partir daí, os
vices-presidentes passaram a ser também militares. Depois do
impedimento do presidente doente, o vice foi interditado, e o
governo foi assumido por uma junta militar, com representantes das
três armas, até passarem para outro general-presidente.
Não vou me deter no assunto que passo agora a tocar, me
repugna: foi um período de prisões, exílio, torturas e mortes. Só um
detalhe: pela primeira vez, na história do país, um cidadão e uma
cidadã que seriam eleitos Presidentes da República, portanto futuros
Comandantes em Chefe das Forças Armadas foram presos. Lula, então
líder sindical, por pouco tempo, e Dilma, que ficou dois anos e dez
meses no cárcere, nove meses além da pena imposta pelo Tribunal
Militar.
Nesse período foi torturada ao longo de 22 dias. Houve muita censura
à imprensa, às artes e a todas as expressões populares.
Contornava-se a censura com a divulgação de poemas e palavras de
duplo sentido, também nas composições musicais. Até previsões do
tempo eram manipuladas para mostrar o clima (político) sem sol e
nebuloso, sujeito a chuvas e trovoadas.
Fala-se nos avanços econômicos dos governos militares.
Todos os governos autoritários geralmente se saem bem nesse quesito.
Lembro-me de um ministro da área financeira que se vangloriava dos
reajustes salariais realizados empregando uma fórmula matemática,
enquanto nos demais países, mesmo desenvolvidos, o processo passava
por greves e agitações trabalhistas. Não precisa dizer que os
rendimentos do trabalho perderam poder de compra.
Praticamente toda a América do Sul sucumbiu ao domínio dos
militares.
A sustentação legal do governo era garantida por Atos
Institucionais e Complementares baixados discricionariamente e pela
Constituição de 67 que substituiu a de 46, aprovada por um Congresso
submisso, após o expurgo dos parlamentares oposicionistas, tendo
como base num projeto elaborado pelo jurista mineiro Francisco
Campos, o mesmo que escreveu a Constituição de 37, a Polaca,
da ditadura do Estado Novo getulista.
A saída desse imbróglio, que foi pacífica, deveu-se à costura
de uma Lei da Anistia, beneficiando os dois lados da luta política e
armada. O regime militar estava acusando “fadiga de material”. A
Igreja Católica não mais apoiava esse estado de coisas. O papel de
alguns prelados nacionais foi significativo na defesa das liberdades
e na costura para a mudança da situação. Mais recentemente, as
Organizações Globo se desculparam por terem apoiado o governo
militar nos seus primórdios.
Assim se passaram 21 anos de ditadura! Nesse período
ganhamos a Copa do Mundo de futebol de 1970. Tricampeões!
Ao final deste período, uma campanha nacional com apelo
muito forte à população, pleiteava a volta das eleições diretas para
todos os mandatos políticos. O Congresso não aprovou a emenda das
Diretas Já. A frustração abateu-se sobre a sociedade brasileira.
Assim continuaram a prevalecer as eleições indiretas pelo Colégio
Eleitoral, constituído basicamente dos representantes da Câmara e do
Senado. Na eleição seguinte, venceu Tancredo Neves tendo como vice o
ex-presidente do partido da situação (Arena) que se bandeou para a
oposição (PMDB), o controvertido José Sarney. Com a doença e a morte
do Dr. Tancredo, seu vice assumiu legalmente o governo, tendo
completado cinco anos de mandato, de um período de seis anos para o
qual ambos foram eleitos.
Numa entrevista comemorativa dos seus 80 anos de idade,
a economista Maria da Conceição Tavares, que à época fora deputada
federal pelo PT, indiscretamente confessou que a derrota das
Diretas Já fora concertada pelo próprio Tancredo, a despeito de
ter participado de todos os comícios públicos da referida campanha.
Contudo, como sua eleição indireta já estava praticamente garantida,
preferiu não correr o mínimo risco. Depois, como realmente foi
feito, uma nova Constituinte se encarregaria de restabelecer as
eleições diretas. Verdade ou não, a artimanha mineira deu certo.
Escreveu-se certo por linhas transversas. Além do mais, o processo
de transição seria efetuado mais rapidamente do que pela via das
eleições diretas.
O último presidente militar não passou a faixa ao
primeiro presidente civil do novo tempo: a Nova República.
No governo Sarney foi criado uma nova moeda (o Cruzado)
que logo depois foi abandonada com o descrédito de seu Plano de
mesmo nome que, para combater a inflação, congelou os preços. Ao fim
do seu mandato a taxa de aumento dos preços superava a casa dos 80%
ao mês.
A Nova Constituição da Nova República foi promulgada no
dia 5 de outubro de 1988. Neste ano de 2013 comemoramos 25 anos de
retorno do país à democracia.
A partir do próximo capítulo é intenção do autor não se
estender muito sobre assuntos factuais, porque a maioria dos nossos
leitores (senão todos) foi testemunha em vida dessa história.
Tentaremos nos restringir a acontecimentos bem marcantes e até
simbólicos para passar o clima do último período a ser retratado.
E tentar evitar discutir preferências pessoais muito
latentes em nossos corações e mentes.
(continua)