ANO XI - N°
330, em 30 de abril de 2013.
Crônica de aniversário do
Jornalego (11 anos)
O PAPA E O PASSARINHO
Crônica é com Rubem
Braga. Seu brilhante sucessor foi José Carlos Oliveira. Segue-se
que: todo cronista bom é capixaba; sendo capixaba, sou um bom
cronista. Isso é o que se chama silogismo. O que nem sempre
representa a verdade. Parece ser o caso.
O príncipe da crônica
brasileira faz 100 anos. Como diziam os romanos, Rubem Braga viveu.
Eu digo: Rubem Braga vive. Está acontecendo no Palácio Anchieta,
sede do governo estadual do Espírito Santo, uma exposição em
comemoração ao transcurso do seu centenário de nascimento.
A mostra é primorosa!
Essa palavra resume meu deslumbramento com ela, estruturada em
compartimentos temáticos do melhor que poderia representar o
homenageado. Um show de criatividade e de tecnologia dos
organizadores.
Na entrada, uma parede
mostra uma série de fotos do conterrâneo, a maioria retirada de
carteiras de identidade ou profissional (3x4), com a sua carranca
característica. A propósito, nunca vi uma foto do Braga sorrindo.
Será que aquele senhor sorria?
Noutra sala, uma redação
de jornal é reproduzida com mesas enfileiradas, máquinas de
datilografia sobre as mesmas acopladas a tabletes eletrônicos como
se fossem folhas de papel saindo dos rolos daquelas engenhocas. Ao
tocar num teclado começa a aparecer no visor, letra por letra, o
texto de uma crônica, ouvindo-se o barulhinho das teclas como se
estivessem saindo das mãos do Braga: tec-terec-tec. Ao lado,
numa caixa comum a todas as escrivaninhas de então, encontram-se
cópias de várias crônicas que podem ser levadas pelos visitantes. As
paredes e o chão estão forrados por folhas inteiras de jornais
daquele tempo, onde e quando militava o artista.
Outro recinto marca o
seu período de correspondente de guerra. Na parede frontal, uma
grande foto de uma turma de jornalistas e expedicionários, onde se
destaca, além do Rubem, o repórter Joel Silveira. Na parede
contrária, a reprodução projetada de uma bela crônica daquela época:
O Cristo Morto. A guerra estava nos seus estertores
quando o cronista foi visitar uma capelinha bombardeada, no alto de
um morro. Lá encontrou um Cristo crucificado, decapitado e sem um
braço. A crônica também é um primor. Sugiro que o leitor a procure
na Internet. Use o Google.
Outro detalhe: nessa mesma sala numa
grande mesa central encontra-se uma série de telefones da época.
Quando auscultados ouvem-se gravações que remontam à primeira metade
da década dos anos 40 do século passado. A que mais me emocionou foi
a reprodução de um noticiário do Repórter Esso, na voz de Heron
Domingues, anunciando a morte do Presidente americano, F. D.
Roosevelt. Eu me lembro muito bem desse dia, quando um vizinho
avisou a meu pai para ligar o rádio. Era 12 de abril de 1945. Menos
de um mês depois, no dia 8 de maio, terminava a Guerra na Europa e
eu completaria seis anos de idade.
A seguir, salas com
outros três temas: o fascínio que as mulheres exerceram sobre o
escritor (Novidade! Só para ele!), a “fazenda no ar” em sua
cobertura em Ipanema e a sua fixação por pássaros.
Nessa última, é
projetado numa parede um vídeo com um voo contínuo de um bando de
pássaros. O espectador pode interagir com a imagem, projetando a sua
sombra na tela e espantar os pássaros, interrompendo-lhes as
trajetórias. Há que se cuidar porque eles podem reagir bicando a sua
cabeça.
Numa outra parede
aparece a projeção de uma crônica antológica: O Conde e o
Passarinho. Trata-se do encontro entre o Conde Francisco
Matarazzo e um pássaro que lhe rouba a condecoração e a fitinha da
lapela. Braga faz alusão também ao xará do Conde, São Francisco de
Assis, amante da Natureza e dos pássaros. Logicamente que o cronista
toma o partido do passarinho e não do industrial. Se você quiser
lê-la apele para a Internet. Peça ajuda ao Google. Foi dessa crônica
que concebi a ideia para criar a minha versão, introduzindo o papa
também homônimo.
Aqui vai a croniqueta neste fim de
texto:
Já que a residência de
Castel Gandolfo se encontra atualmente ocupada, estava o Papa Chico
(Papa Paco em espanhol) passeando pelos jardins de inverno do
complexo da Basílica de São Pedro quando lhe pousou no ombro um
esvoaçante animal, branquinho, branquinho, tão branco quanto suas
vestes papais. Era o Espírito Santo, agora travestido de passarinho,
não mais de pomba. Piou aos pios ouvidos algo que eu presumo tenham
sido alguns comentários elogiosos, pelo início de seu papado e um
conselho divino.
“Começaste bem, meu
filho querido. Pregando a humildade, a discrição, a moralidade e a
correção nos afazeres mundanos na tua tão grande paróquia.
Passados os cem dias inaugurais, sugiro que comeces a se preocupar
com coisas mais estruturais, depois de ter conquistado a simpatia
dos teus fiéis. Além de rezares pelos miseráveis de todos os
flagelos humanos e naturais seria o caso de atentares para o
aggiornamento da Igreja e para as mazelas produzidas pela
política e pela economia desumanas das principais nações, seus
perversos regimes, devidamente amparadas por grande poderio militar.
Não tens divisões, mas tens prestígio, teus seguidores são milhões.
Tua cátedra é poderosa. Não vou me imiscuir em teu trabalho, és meu
representante na Terra, mas tens também, como todos os seres, o
livre arbítrio de como conduzir teu mister. Sê simpático e terno,
mas não percas o foco principal: a paz no mundo e a melhoria das
condições sociais do ser humano. Como torci para que o novo papa
escolhesse o nome de Leão XIV, o que sugeria que seguiria a linha
do papa Leão XIII, o verdadeiro criador da Doutrina Social da
Igreja, continuada por João XXIII, Paulo VI e que, possivelmente,
teria seguimento com João Paulo I. Para que fosse reconstituída a
trilha olvidada depois deles. Mas nome é simbolismo.
¡No pasa nada!
Vai em paz com esse Francisco tão emblemático e que Deus te
acompanhe.”
Chegando aos seus
aposentos Sua Santidade teve que trocar suas alvas e imaculadas
vestimentas porque o passarinho, ao posar nos seus ombros, as sujou
um pouquinho. Na clausura de seu apartamento, vestido agora com
roupas civis, prostou-se num rico genuflexório e mergulhou em
profunda introspecção.