ANO XI - N°
317, em 20 de outubro de 2012.
Adaptação de um
mito grego
SÍSIFO
Um conto puxa outro. Prometeu gerou
Sísifo no espaço mitológico do Jornalego. É sabido: quem conta um
conto aumenta um ponto. Sem fugir a essa regra é o que se faz ao
recontar, com roupa nova, o mito de Sísifo e sua sina. Como se fez
com a história de Prometeu.
Como sempre acontece no universo
dessas epopeias, Sísifo tentou desobedecer aos seus senhores, neste
caso os deuses, tentando fugir da liturgia da morte ou mesmo da
própria morte, em desobediência às leis de Hades, o deus do mundo
subterrâneo. Por isso, foi condenado, por toda a eternidade, a
empurrar, carregar ou rolar montanha acima uma pesada pedra, até ao
seu cume. Assim que ele depositava lá a pedra, esta rolava encosta
abaixo e voltava ao sopé da elevação. Novamente, indefinidamente,
Sísifo fazia as mesmas tentativas, todas frustradas. Essa era a
pena. Esforço incessante que pode simbolizar o sem sentido da vida,
o chapliniano trabalho manual cansativo e repetitivo, mas
pode muito bem servir de metáfora à luta por um sonho, por uma
esperança, pela procura de uma luz ao final do túnel, da escuridão,
sabendo-se da laboriosa tarefa que isso representa e dos possíveis
insucessos que isso pode acarretar. Albert Camus interpretou mais ou
menos por aí.
Triste sina para quem desafia os
poderosos! Por exemplo, aqueles que quiseram fazer um mundo melhor,
melhorar a vida da humanidade, subverter a ordem dominante quando
despótica, espoliadora, opressora, obscurantista e desumana. Ou
simplesmente introduzir novos pensares, novos procedimentos no viver
das pessoas.
O fim é sempre tão trágico quanto a
pena atribuída a Sísifo. A crucificação, a forca, o fuzilamento, a
fogueira, a prisão, o exílio ou a morte provocada. Tais foram os
fins de alguns personagens históricos, todos transformados em
mártires: Cristo, Tiradentes, Caneca, o coestaduano Domingos
Martins, Prestes, Allende ou mesmo o polêmico Vargas, o suicidado.
Tais personagens, neste conto, são mais associados à pedra do que
propriamente a Sísifo. Cada um deles, como de resto uma multidão de
idealistas que aqui não foram citados, é uma iniciativa que
representa a ousada tentativa de elevar-se com a carga pesada ao
alto da montanha e por lá permanecer a desfrutar o panorama
maravilhoso que imaginava antevisto da planície. A pedra, sempre a
despencar, jamais inibiu novas e corajosas iniciativas. Essa é uma
característica do gênero humano: sempre a desafiar seus opressores,
apesar dos insucessos.
A sina de Sísifo se perpetua:
incontáveis, incansáveis e pré-históricos são os eternos Rolling
Stones deste mundo.
Mais recentemente, combatendo a
tirania em nosso país: os Freis Titos, os Herzogs e os Paivas da
vida. As Olgas e as Dodoras (personagem de um texto que passou).
Quantas pedras esperançosas despencaram do alto da montanha! No
entanto, quando mais se imagina que tenham sucumbido, ó elas aí ‘tra
vez.
É pedra que sobe. É pedra que rola.
É a noite escurecendo o dia. É o dia clareando a noite. É a sina de
Sísifo sempre renovada e retomada.
Não se fazem heróis ou mártires
entre os acomodados, os tementes às divindades e aos poderosos, os
delicados bons moços e moças, os piedosos, os fiéis cumpridores dos
mandamentos prescritos pelos donos do poder ou pelos deuses. Para
derrotar o estabelecido há que recorrer à ousadia. A gênese dos
santos é diferente. Os bons moços e moças vão para o céu, os maus
vão para Londres, assim li numa camiseta por lá. Genial num outro
contexto é claro!
A luta é contínua. Ainda hoje, sem
se perceber, estão sendo gerados heróis e mártires na luta insana e
renhida da vida e do poder. Sempre sacrificados, sempre
ressuscitados. Quando menos se espera, ó eles aí ‘tra vez!
Como terminará isso? Seguramente não
terá fim. Pequenas melhoras são percebidas, mas o sucesso final é
sonho de uma noite de verão. São passos de um processo e, como tal,
sem vitória definitiva. Idealismo e ideologias nem sempre terminam
bem, geralmente acabam em tragédia. O peso da punição reflete o
tamanho da ousadia.
Dada essa inconteste verdade,
resta-nos procurar uma alternativa moleca, para dar um bom final a
este texto doido, transviado e irresponsável. Aliviemos o sentido
trágico do mito e da realidade aqui representada. Coitado do Sísifo
que inaugurou esse tipo de calvário. Já dizia minha musa gaga,
irreverente como ela só: ‘Ta...’ta...dinho! Si...sifo.