ANO XI - N°
307, em 10 de julho de 2012.
Ensaio -
manifesto
MELANCOLIA
Melancolia é um belo
filme de Lars von Trier, boquirroto cineasta dinamarquês que, por
falar demais, não logrou a Palma de Ouro do Festival de Cinema de
Cannes no ano passado. Entre outras parlapatices, em entrevista aos
jornalistas, disse que, se pudesse acabar com a humanidade de
maneira instantânea e indolor, acionando um botão ou outro
expediente parecido, o faria.
No citado filme, a Terra
desaparece do mapa universal, depois de uma explosão proveniente da
colisão com um planeta descarrilado vagando pelo espaço sideral,
chamado Melancolia. Mistérios da ficção: quem teria contado tal
história depois da hecatombe?
Após essa introdução,
vamos ao que interessa no momento: organizar meus argumentos a
respeito de um assunto polêmico e expô-los aos meus leitores. Não se
trata de algo bombástico como o pensamento daquele cineasta. Mesmo
que assim pensasse, não teria coragem de divulgá-lo. O von Trier é
um maluco beleza!
Segundo o estado da arte
científica dos nossos dias, não existe vida em outros planetas. Ela
é exclusiva da nossa pequena Terra. Isso não garante que não possa
existir vida alhures, desde que existam as condições físico-químicas
propícias, e venham a ocorrer os mesmos fenômenos aleatórios que
fizeram o aparecimento da vida humana, inteligente, animal e vegetal
por aqui. Uma coisa interessante a observar é que a vida em outros
corpos celestes não deva necessariamente existir ao mesmo tempo que
a nossa. Pode ter ocorrido há alguns milhões de anos ou mesmo vir a
acontecer num futuro longínquo, milhões de anos distante de nosso
tempo.
Segundo a nossa ciência,
o Universo (ou Multiverso, como queiram) é mineral. Salvo melhor
juízo, não há sinal de vida vegetal nem animal, muito menos
inteligente, em outras galáxias, sistemas ou planetas até agora
conhecidos. Portanto, não estou aqui pregando a exclusividade da
vida para a Terra. Estou tão somente afirmando que a ciência, em seu
estágio atual, desconhece vida que não seja por aqui.
Esse pensamento é
geralmente criticado com o argumento de que seria muita pretensão de
nossa parte, admitir que sejamos o único lugar no Universo a ter
vida. Implícito a esse raciocínio está a premissa de que a vida é
uma preciosidade, a mais maravilhosa de todas as coisas do Universo.
Trata-se de um pensamento antropocêntrico.
A vida pode ser uma
doença, uma espécie de câncer no Universo, que aconteceu por aqui.
Aparentemente benigno, pode se transformar em maligno. Aproveitando
a oportunidade, alguém já disse que “A vida é uma doença letal,
transmissível sexualmente”.
Intermezzo
segundo Richard Dawkins: A natureza – incluindo aí a humana – e tudo
o que nos cerca são pura magia do acaso, de um processo incansável e
imemorial de tentativa e erro evolucionário da ciência e da
paradoxal linearidade do caos. A vida humana é de uma monumental
insignificância, pois somos apenas mais uma entre milhões e milhões
de espécies que há habitaram e habitam este tão frágil planeta.
Diante do exposto,
proponho uma atitude aos terráqueos, que, embora possa não se basear
numa verdade à luz da ciência no futuro, é uma posição politicamente
correta para os dias que correm. Não tem nada de antropocentrismo,
nem soberba de sermos os únicos seres vivos no Universo. Nada
disso.
Trata-se do seguinte:
assumamos, por hipótese até aqui admitida pela ciência, que a Terra
tenha a exclusividade da vida no Universo. Assim nós temos a
obrigação de preservá-la para, inclusive, perpetuar a inteligência
no Cosmos. Ela pode ser uma doença, seja lá o que for, mas é a nossa
vida. Embora a morte individual seja uma fatalidade, façamos o
possível para manter a vida planetária (a animal, a vegetal e a
humana), a despeito dos perigos que possam acontecer daqui para
frente.
Sobre esse último
detalhe, é sabido que houve grandes acidentes ao longo da história
de nosso planeta. Até a Bíblia conta o infausto dilúvio que o
temível Deus nos mandou, mas o bondoso e mesmo Deus logo arranjou
uma maneira de nos salvar da extinção total, com o engenho e a arte
de Noé. É sabido também que um asteróide gigantesco colidiu com a
Terra em tempos pré-bíblicos, acabando com a raça dos dinossauros, o
que, de certa forma, foi um acidente abençoado, pois só sem a
presença desses mastodontes houve possibilidade da aparição dos
mamíferos, inclusive os humanos. Pode, por que não, acontecer outro
cataclismo geral e irrestrito, mas isso será um acidente que não
poderíamos contornar, a não ser emigrando para outro planeta,
redirecionando o bólido sideral para fora da nossa órbita, se for o
caso, ou mesmo salvando-nos das catástrofes terrenas.
Estou a pregar essa
atitude, exatamente nesta época, em que se deu a Conferência
Internacional sobre o Meio Ambiente, conhecida popularmente como Rio
+ 20. É fundamental que todos nós nos conscientizemos dos perigos
que corremos com a deterioração ambiental de nosso planeta e a
possibilidade de nós mesmos provocarmos nossa extinção, não somente
da vida no planeta Terra, mas da vida no Universo. A
responsabilidade é muito maior do que pensávamos com essa colocação,
contextualizando-a no plano universal.
Assim pensando, podemos
dizer que a vida na Terra é a guardiã da memória, da cultura, da
consciência e da inteligência do imenso Universo. Fora disso, resta
a mineralidade. Só nós fazemos o Universo existir. Só nós o
validamos. O Universo, sem o observador inteligente, não se
reconhece como tal.
Uma lembrança pitoresca
me ocorre agora. Antigamente eu ficava grilado com o concurso de
Miss Universo. Implicava com esse nome. Por que Universo? Tem que
ser Miss Terra ou Mundo ou Planeta, mas não Universo. Contudo,
atentem, se o nosso raciocínio procede, de fato, a mulher eleita a
mais bela do concurso seria, efetivamente, a Miss Universo. Um
detalhe hilário para congregar mais adeptos masculinos para a minha
tese: mulher só existe aqui neste pedaço.
Conheci um senhor maduro
no Acre, pessoa muito interessante, ambientalista radical que, a
despeito de seu pessimismo sobre as ações humanas a respeito da
sustentabilidade do planeta, sustenta sim que solução haverá, nem
que seja pelas mãos da própria mãe natureza, com acidentes
localizados ou globalizados, a partir dos quais, depois da
destruição, renascerá um novo equilíbrio.
De minha parte, eu não
acredito no desenvolvimento com sustentabilidade. Todo
desenvolvimento, todo crescimento, quase todas as atividades humanas
são predatórias e não têm jeito. A mais nefasta das atividades
humanas é o próprio aumento populacional. Só acredito na
possibilidade de uma tênue tentativa de minimizar os efeitos
perversos da nossa ação. A não ser que se possa mudar o infeliz
sistema econômico que preside todas as atividades e mentes ao redor
do planetinha, que atende pelo nome de Capitalismo. Sua voragem, seu
modo de produção, seu consumismo, seu hedonismo. Seja lá o nome que
venha a ser dado a isso. Poderia até ser chamado de Melancolia.
Façamos tudo e vamos
torcer para que a desgraça do von Trier não nos abata, nem como
acidente, como degradação ambiental e nem tampouco como desprezo
pelo gênero humano.
Para terminar o brado
retumbante, política e inocentemente otimista, de um declarado,
incorrigível e convicto pessimista: “Viva a vida!”
Sugestão de
(re)leitura: 250 – Tema do Traidor e do Herói.