ANO X - N°
296, em 20 de março de 2012.
Análise e Opinião
CHINA
Foi uma dessas mensagens
bem feitinhas que transitam pela Internet que deu origem a este
texto, com algumas ideias sobre o futuro da China e do mundo.
Naquela mensagem, uma frase atribuída a Napoleão Bonaparte dizia
mais ou menos o seguinte: “Deixem a China adormecida, porque no dia
em ela acordar todo o mundo vai se incomodar.”
Em número recente do
Jornalego (291 – Empregos e Portões), cheguei a admitir um
pensamento cínico: enquanto milhões de chineses viviam na miséria, o
capitalismo mundial e o meio ambiente estavam razoavelmente
equilibrados. Esse talvez fosse o preço pago para a estabilidade do
sistema econômico vigente. Nestas três últimas décadas, o
capitalismo chinês tirou da zona rural e da miséria 800 milhões de
pessoas. Isso é um feito quase inacreditável. Atualmente, o país
tornou-se majoritariamente urbano. Cinquenta e um por cento de sua
população habitam as cidades. Restam, portanto, ainda mais de meio
bilhão de chineses na zona rural, em situações de vida precárias. Já
imaginaram o que será a continuação dessa transferência nos próximos
anos, em matéria de necessidade de empregos, demanda por energia e
produtos cada vez mais elaborados e o dano ao meio ambiente que isso
trará em seu bojo, continuando a poluição do planeta, da qual os
Estados Unidos e a própria China são os maiores culpados?
Será que podemos
concluir que o capitalismo não levará à satisfação global do gênero
humano, porque, de acordo com seus padrões, o planeta não suportará?
Imaginem quando o continente africano, o restante da Ásia e a
totalidade da América Latina exigirem e conseguirem o mesmo estilo
de vida dos países mais desenvolvidos! O desenvolvimento capitalista
requer um bolsão pobre para viabilizar a parte rica?
A mensagem aludida no
início deste texto chamava a atenção dos ocidentais para a invasão
chinesa, isto é, dos produtos de fabricação chinesa, manufaturados a
custos irrisórios, especialmente por causa dos baixos salários
recebidos pelo trabalhador e a inexistência de encargos sociais e de
legislação trabalhista no país. Em suma, uma das piores formas de
extorsão capitalista da força do trabalho, a famosa mais valia
marxista, exatamente num regime político comunista. No artigo citado
do Jornalego, também faço menção a outro tipo de mais valia,
atualizando o conceito de Marx, com a exploração precoce das futuras
gerações através da espoliação do meio ambiente que será legado a
elas.
Já citei Marx acima e
vamos dar alguns tratos à bola ao falar mais desse filósofo.
Economista coisa nenhuma, não denigram a memória desse senhor. Nem
político, embora tenha elaborado com Engels o Manifesto Comunista
(1848), como todo manifesto, é um documento político. Ele é um
grande filósofo. Segundo um recente artigo, um acadêmico o chamava
de filósofo do século XXI, embora tenha vivido no século XIX. Eu sou
mais visionário, mais romântico, talvez seja o filósofo dos séculos
vindouros.
Natura non facit
saltus. A Natureza não faz saltos. Ela trabalha pacientemente.
Assim também é a mentalidade e a sagacidade chinesa. Chou en Lai, ao
lhe perguntarem sobre suas impressões a respeito da Revolução
Francesa de 1789, respondeu: Ainda está muito cedo para tirarmos
conclusões. Mao Tse Tung (ou Mao Zedong), sobre a tentativa de
incorporação de Taiwan ao território continental chinês, teria dito
a Kissinger e a Nixon na década de 70: Isso não nos incomoda por
enquanto, podemos esperar mais uns cem anos.
Falemos mais de Marx
depois desse intrometido parágrafo anterior, mas logo, logo, vocês
vão compreender por que ele se meteu aí. É porque Marx foi mal usado
e por isso estigmatizado pelo capitalismo ocidental, durante a
Guerra Fria entre os EUA e a URSS. Marx preconizava uma revolução
comunista e o socialismo daí decorrente, a eclodir num país
altamente capitalista (ele pensava no seu país natal: a Alemanha). A
Alemanha produziu o fascismo; que ironia! Pois bem, Lênin e os seus
companheiros bolchevistas fizeram acontecer a revolução comunista
num país que ainda vivia sua fase feudal, a Rússia. Daí o que se
chama Marxismo-Leninismo. Eles apressaram o determinismo histórico.
Conclusão: deram com os burros nágua. Criaram um capitalismo de
estado que não pôde atender as aspirações de sua imensa população,
nem de consumo nem de liberdade política.
Enquanto durou, empolgando corações
e mentes idealistas, prestou dois grandes serviços à humanidade:
criou um contraponto ao império americano (que logo depois da queda
do regime soviético mostrou suas garras sem mais inibição) e
facilitou a emancipação de muitos países do terceiro mundo do
colonialismo, acabando com essa peste. Também neste último caso, o
comunismo não atendeu às populações carentes, e grande parte desses
países ainda está na miséria, com o aparecimento de um quarto mundo,
onde se insere a quase totalidade dos países da África.
Aonde quero chegar?
Acredito que o futuro da China está desenhado nas obras de Marx. Ela
poderá desempenhar o papel antevisto pelo filósofo alemão, o advento
do socialismo, depois de atingir o ápice do seu desenvolvimento
capitalista, incrível e paradoxalmente incutido e impingido por um
governo e um partido comunista. Teria sido isso clarividência da
classe política chinesa? Será que eles se deram conta que só o
capitalismo tiraria da miséria sua imensa população? Será que eles
concordam com o que estou pensando aqui, que eles vão se tornar uma
potência socialista, conforme o catecismo marxista?
Acredito que não. Aliás,
segundo o mesmo filósofo, a revolução se processa nas bases e não na
cúpula. É aquele trabalhador chinês, que hoje ganha cem dólares por
ano, sem proteção social, e que está arruinando a indústria
ocidental e atrasando o passo da indústria brasileira, que vai virar
a mesa, insurgindo-se contra a riqueza nacional e a pobreza relativa
da população (incluindo a falta de liberdade de expressão e coisas
correlatas).
Uma enorme onda, do tipo
da Primavera Árabe pode surgir na China. Aquela como precursora de
um Verão Sino-Sinistro (se me permitirem o trocadilho, usando
sinistro/a também como esquerdo/a) que mudaria o panorama daquele
imenso país e possivelmente do mundo. Queira o destino, sem grandes
influências nem convulsões externas, isto é, sem interferências de
outros países ou guerras de conquista.
As previsões realizadas,
especialmente por economistas (e o meu caso é bem pior, porque tendo
sido economista, hoje sou somente um ociólogo palpiteiro)
geralmente não se confirmam. De fato não há futuro previsível no
mundo de hoje; mas que se pode e se deve pensar a respeito,
especular, participar na formação desse tempo. Por que não?