ANO X - N°
294, em 20 de fevereiro de 2012.
Crônica
A SÉTIMA ARTE
Antes de a presente
sessão do Jornalego começar, lembro-me de uma aula de português no
antigo Colégio Estadual do Espírito Santo. Dizia o preclaro
professor que, antigamente, logo depois de a invenção dos irmãos
Lumière ser apresentada à sociedade parisiense, o novo fenômeno era
conhecido no Brasil por cinematógrafo; depois, como esse nome
era muito grande, quase impronunciável, foi diminuído e popularizado
para cinema; logo depois, algumas casas de projeção adotaram
o cine; chegará uma época em que o chamaremos de ci.
Pelo ci ou pelo
não, sou um grande frequentador e admirador da chamada sétima arte.
Sempre fui. É uma arte popular, de grande disponibilidade, barata
(principalmente para idosos), uma mistura maravilhosa de imagem,
som, música, fotografia, literatura, teatro etc. Enfim, a cortejada
cultura.
Por mais que tenha a
concorrência da televisão e especialmente das modernas facilidades
domésticas como as grandes telas, os home theaters, filmes em
profusão, DVDs, Blue Rays e outras milongas mais, o cinema,
propriamente dito, está em grande evolução. A minha relação com esse
admirável mundo novo é problemática: não consigo assistir a filmes
na telinha, pois durmo na frente da tevê. Sou fanático mesmo pelo
chamado cinema de rua. Agora muito mais confinado aos ambientes dos
shoppings. Aquele cinema para ir ao qual a gente se prepara
para sair de casa, se adentra numa sala escura de projeção,
preferencialmente sem pipoca nem Coca-cola, em que passa duas horas
sem interrupção e, depois, acompanhado da mulher e/ou de amigos, com
quem eventualmente se combina a ida juntos ao cinema, vai comer uma
pizza, analisando e discutindo o que foi visto. Cinema na tela
grande ou como também dizem, cinema no cinema, é um ato social. Ver
cinema em casa é diversão ligeira, digestiva. Assistir a um filme,
na sala grande, é como participar de um ofício religioso, com sua
liturgia própria: começa-se em casa brigando com a mulher para que
ela não se atrase; a seguir, na sala de projeção, celulares
desligados, nada de conversas, sem comentários sobre o que está
sendo visto na tela, silêncio profundo como quando se assiste a um
recital sinfônico. Isso é o ideal, não necessariamente o que
ocorre.
Ultimamente tenho visto
filmes maravilhosos, a safra é ótima. Um dos meus irmãos comenta que
os filmes a que eu assisto sempre são maravilhosos. Lógico, eu os
escolho a dedo. Vejam só a colheita nesta virada de ano: Um Conto
Chinês (argentino), A Pele em que Habito (um Almodóvar,
portanto, espanhol), A Árvore do Amor (chinês), O Último
Dançarino de Mao (australiano), O Dia em que Eu não Nasci
(alemão-argentino), Medianeiras - Buenos Aires na Era do Amor
Virtual (argentino, por supuesto), e Borboletas Negras
(alemão-holandês e africano do sul).
O cinema brasileiro
também está ótimo: O Palhaço, Meu País e o admirável
documentário, fora do comum, As Canções, de Eduardo
Coutinho.
Por outro lado detestei
o último Sherlock Holmes e As Aventuras de Tintim.
Ambos americanos. Quanto ao primeiro eu não entendi nada. No
segundo, de Steven Spielberg, o Tintim foi americanalhado.
Tintin (que eu conheci pronunciando Tantan, nas aulas de francês)
perdeu a sua áurea original. O cinema americano está muito veloz e
violento, como os dois filmes citados. Não que os americanos não
façam bons filmes. Mas a grande produção para consumo de massa é
horrível. Aguardo com ansiedade os concorrentes ao Oscar, que
geralmente são muito bons. Ah! Por falar nessa estatueta, lembrei-me
do Meia-Noite em Paris, do Woody Allen: soberbo! Seria uma
injustiça não o citar aqui, entre os melhores filmes vistos
recentemente. Mais um destaque de filme americano: Os
Descendentes que concorre ao Oscar de melhor filme deste ano.
Bom também é o cinema iraniano: assisti mais recentemente a A
Separação, que está cotado a ganhar o Oscar de melhor filme
estrangeiro.
Vou poupar o leitor de
resenhá-los.
Já dizia um amigo
irreverente que “fora da sacanagem não existe salvação”. Eu uso um
derivativo: “fora da arte não existe salvação” (o que não exclui
evidentemente, a sacanagem, mas sim a vulgaridade e a pornografia).
Parafraseando um dito religioso muito em moda eu digo também: “só a
arte salva”. Além dela, meu computador também. E cinema, como já
rotulado, é uma arte, a sétima; não sei precisar bem o quem vem
antes nem depois.
Um bocadinho de
autoajuda não faz mal a ninguém: eu não sei o que a maioria dos
colegas aposentados faz para viver o tempo sem cinema. Talvez eles
vivam a matar o tempo. Cinema, muito cinema; literatura, muita
literatura; e música, muita música é o que aconselho.
Um registro: no
Rio, a audiência das sessões vespertinas é composta basicamente de
cabeças brancas. Ficam lotadas. Aqui, na Grande Vitória, são poucos
os cabelos grisalhos nas salas de projeção. No Cine Metrópolis, da
Universidade Federal, e mesmo nos Cines Jardins eu já assisti filmes
com três pessoas na sala. Naquele cinema é muito comum a rala
audiência, principalmente a vespertina. Lá há um bom estacionamento
grátis, e o idoso paga, no meio da semana, o irrisório preço de R$
3. Nos Jardins a entrada custa R$ 5. Aproximando-se os finais de
semana são adicionados R$ 1 ou R$ 2 a esses valores. Mas o problema
não é bem esse, é preguiça mesmo.
Um pouco de história:
quando voltei para o Espírito Santo, em 1997, depois de 32 anos
vivendo alhures, Vitória tinha somente dois locais de cinema: o já
citado Cine Metrópolis (desde 1992) e três salas no Shopping Vitória
(inaugurado em 1993). Atualmente conta com dezenas, principalmente
nessas catedrais de consumo e alimentação, os padronizados
shoppings. Sou levado a acreditar que, antes daquelas datas, na
virada das décadas de 80 para a de 90, não existiam cinemas em
Vitória. Como um aposentado cinéfilo poderia viver naquela cidade,
àquela época? Creio que isso não foi exclusividade de Vitória; nas
demais capitais, com exceção do Rio, São Paulo e Brasília talvez
tenha ocorrido o mesmo fenômeno.
Voltando a Vitória, possivelmente,
antes de virar igreja evangélica, o Cine Santa Cecília talvez
pudesse ainda existir naquela época como exibidor de filmes
exclusivamente pornôs. O Cine São Luis também virou igreja. De vez
em quando, eu assistia a alguns filmes num cineminha bem humilde, no
bairro da Glória, em Vila Velha, onde passei a residir. Era o
Cine-Teatro Garoto, que se finou quando a fábrica de chocolate foi
comprada pela Nestlé. Segundo o historiador Tatagiba, a capital do
Estado já teve 13 salas de projeção no seu auge. Em 1985 (último ano
de sua pesquisa) estavam reduzidas a somente quatro. Em 1990,
acredito que tenha chegado a zero, conforme minhas especulações.
Curiosidades: no
tempo das sessões contínuas, em Vitória, era comum o espectador
entrar no meio do filme, assistir ao seu final e, depois, ao seu
início na sessão seguinte. Isso me lembra um famoso cineasta francês
que respondendo à pergunta: se um filme precisa ter início, meio e
fim, disse: – “Sim, mas não necessariamente nessa ordem”. Quando
criança eu nunca assistia a uma única sessão. Sempre eram duas. Nas
matinês infantis, quando a luz do cinema apagava era uma gritaria
ensurdecedora misturada com palmas em profusão da garotada excitada.
Eu lá! Lembram-se dos piadistas do escurinho! Gritavam “gol” quando
os artistas se beijavam ou numa cena mais ousada lançavam suas
graças, que o povo acolhia com estrondosas gargalhadas. Por falar
nisso, foi no Cine Jandaia, que assisti a grandes cenas de nudez. A
mulher que mais me sensibilizou (e põe sensibilidade nisso) foi
Martine Carol. Ainda tenho nítida a imagem da parte posterior do seu
joelho, onde sua perna se articulava com a coxa. Outra mulher
sensual era a italiana Rosana Podestá, a Helena de Helena, a
Rainha de Tróia. A cena da
Lollobrigida entrando nua numa piscina ficou indelevelmente marcada
na minha memória e nas minhas entranhas. E mais: Brigitte Bardot,
Marilyn Monroe! Eram as mulheres da minha vida de então!
Virtualmente, eu era muito bem servido!
Outro registro:
também no Rio, fiquei sabendo que a municipalidade vem
ressuscitando, nos bairros da zona norte, os chamados cinemas de
rua. Alvíssaras!