Economia & Energia
Year VIII -No 44:
June-July 2004  
ISSN 1518-2932  

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Metodologia Simplificada para Estimativa da Evolução da Produtividade de Capital

Produtividade do Capital: uma Limitação a mais ao Crescimento Brasileiro

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As inspeções nucleares no Brasil 

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Texto para Discussão:

Produtividade do Capital: uma Limitação a mais ao Crescimento Brasileiro

Carlos Feu Alvim
feu@ecen.com.

Introdução

A preços internacionais, segundo Aumara Feu (2003), a produtividade do capital no Brasil, no fim da década de 90, era 8% inferior a dos países desenvolvidos que compõem a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[1].

A baixa produtividade do capital no Brasil quando comparada a dos países desenvolvidos, não reflete o esperado teoricamente. A partir do modelo de crescimento neoclássico de Solow (1956) e Swan (1956) e supondo que todos os países têm disponíveis as mesmas tecnologias, quanto menor a participação de um fator no produto maior será a sua produtividade. Portanto, se o Brasil, comparativamente aos países desenvolvidos, é um país com escassez relativa do fator capital seria de se esperar uma produtividade do capital maior neste país.

Aliás, na baixa exigência de capital para gerar produto reside parte da esperança de uma menor diferença de renda per capita entre países no futuro: ela faria com que a resposta ao investimento fosse superior nos países em desenvolvimento.  Com efeito, os países pobres aumentariam sua renda que, por sua vez, tenderia a convergir para a dos mais ricos na teoria de convergência absoluta ou pelo menos diminuiriam a disparidade entre as rendas na teoria de convergência relativa[2]. Portanto, se a produtividade do capital brasileira é inferior a dos paises desenvolvidos significa que o Brasil perdeu a vantagem comparativa natural de um país em desenvolvimento.

Além desta introdução e da conclusão, compõe o artigo mais três seções. A Seção 1 mostra o comportamento esperado da produtividade do capital em relação à produtividade do trabalho, segundo o modelo de Solow, sem e com crescimento tecnológico, comparando o previsto pela teoria com o verificado no Brasil e em alguns países da OCDE. A Seção 2, usando um método simplificado para o cálculo do estoque de capital, examina a evolução da produtividade do capital de seis países (incluindo o Brasil)  em diferentes graus de desenvolvimento. Finalmente, a Seção 3 indica qual poderia ser a explicação para a baixa  produtividade do capital no Brasil e  descreve a  experiência de outros países que, ao contrário do verificado neste país, conseguiram elevar a produtividade do capital e promover o crescimento econômico.

1.     Produtividade do Capital versus Produtividade do Trabalho

A produtividade[3] de um fator de produção é dada pelo produto em relação ao estoque deste fator. Ou seja, a do trabalho corresponde à razão entre produto e a força de trabalho (Y/L) e a do capital à razão entre produto e o estoque de capital (Y/K), constituído por suas máquinas, equipamentos e suas instalações. Para apurar esse estoque capital, por meio do método do estoque permanente, soma-se os investimentos[4] e amortiza-se seu valor em função da idade do bem a ele associado.

Quanto à produtividade do capital do Brasil, segundo diversos autores[5], ela decresceu de forma considerável na última metade do século, ficando relativamente constante a partir de meados da década de 80. Em 1999, segundo Aumara Feu (2003), enquanto o Brasil conseguia produzir US$ 36[6] por cada US$ 100 do estoque de bens de produção os países da OCDE produziam US$ 39 com os mesmos cem dólares. Ou seja, a produtividade do capital no Brasil era 0,36 e a dos países do OCDE 0,39.

Por outro lado, quanto à produtividade do trabalho, esta foi crescente até final da década de 70, mas permanece, praticamente, constante a partir de então. Este comportamento é observado utilizando a população ocupada, como em Aumara Feu (2003), ou a população total. Neste trabalho, visando simplificar a obtenção de dados para outros países, será utilizada como proxy do trabalho a população total.

1.1 Relação entre Produtividade do Capital e do Trabalho no Modelo de Solow

Os modelos de crescimento econômico descrevem como os insumos básicos, capital (K) e trabalho (L), se combinam para gerar o produto  (Y). Segundo o modelo de Solow, com função Cobb-Douglas, a participação de cada fator no produto é constante ao longo do tempo.Portanto, segundo o modelo,as produtividades do trabalho (Y/L) e  do capital (Y/K) se adequam de tal maneira que quando uma aumenta a outra é reduzida. Com efeito, admitida a hipótese de distribuição constante da renda  entre trabalho e capital, o crescimento do produto por trabalhador significa maior salário e  estímulo em substituir este insumo por capital.

Na formulação mais simples, função Cobb-Douglas, com tecnologia constante, se as duas grandezas forem representadas graficamente, tem-se uma curva como a indicada na Figura 1, onde á medida que a produtividade do trabalho cresce, decresce a produtividade do capital. Da mesma forma, se for tomado o logaritmo das duas grandezas, tem-se uma reta.

Figura 1 - Produtividades do Capital e do Trabalho com Tecnologia Constante e função de produção Cobb-Douglas representada em escala natural e log x log.

A  Figura 2 mostra graficamente o resultado da simulação quando se  introduz  progresso técnico no modelo de Solow-Swan[7].  As curvas representam diferentes  valores de crescimento  tecnológico ao ano.

Figura2 - Produtividade do Capital versus Produtividade do Trabalho em escala natural e logarítmica com taxas de crescimento tecnológico (g) igual a 0%, 1% e 2% ao ano. Note-se que só é reta, na escala logarítmica, a representação para g = 0.

Os gráficos da  Figura 2 simulam situação próxima da esperada para um país com produtividade do capital inicial próxima a 1 e com produto por trabalhador de US$ 3 mil[8]. Nota-se que , segundo o modelo, à medida que a economia se aproxima do equilíbrio, a variação na produtividade do capital  tende a zero e o crescimento do produto per capita se iguala ao crescimento tecnológico. Cabe observar que quanto maior o crescimento tecnológico menor a queda na produtividade do capital necessária para se atingir determinado nível de renda por trabalhador.A Figura 3 mostra a evolução da produtividade de capital em função da produtividade do trabalho para o Brasil, OCDE como um todo e para alguns de seus paises membro. Como, geralmente, a renda por trabalhador  dos países se eleva com o tempo a evolução temporal é representada pelo comportamento das curvas da direita para a esquerda.

Figura 3 -Produtividade do Capital e do Trabalho[9] – Brasil e OCDE -US$ 1990. Fonte: Aumara Feu (2003)

Pode-se observar que o conjunto de países da OCDE apresenta produtividade do capital inicialmente decrescente, sendo que nas duas últimas décadas, esse valor permaneceu praticamente estável, em torno de 0,4. Ou seja, nestas duas últimas décadas, como a produtividade do capital ficou constante e a do trabalho cresceu, todo o crescimento por trabalhador  (dentro da função utilizada) pode ser atribuído ao crescimento tecnológico.

Quanto aos últimos anos da série, embora alguns países da OCDE mostrem trajetória de produtividade decrescente (como o Japão e o Canadá) outros apresentam produtividades constantes ou até crescentes (como EUA e Reino Unido).

O Brasil, a partir de 1980, esteve “patinando” no mesmo produto por trabalhador. A produtividade de capital caiu substancialmente na década de setenta e oitenta a preços correntes[10]. O mesmo aconteceu com vários países da América Latina. Uma notável exceção é a trajetória do Chile que discutiremos mais adiante. O Japão está passando por processo  de queda de produtividade de capital (semelhante ao do Brasil) nos últimos anos, embora com um nível de produto por trabalhador bem mais confortável.

2.     Evolução da Produtividade do Capital

Muitos dos países da OCDE analisados, dada a disponibilidade de dados, já se encontram em estágio de desenvolvimento onde o processo de substituição de trabalho por capital parece ter se completado, sendo o crescimento da renda por trabalhador atribuído à variação da tecnologia. Ou seja, estes países parecem ter alcançado o estado estacionário.

Nesta seção, de forma a ampliar o número de países analisados, usou-se a base de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e um procedimento simplificado para cálculo do estoque de capital, descrito separadamente nesta edição. Sendo assim, foi possível estabelecer a evolução da produtividade de capital e da renda per capita de vários países[11].

A análise a seguir, está centrada em dois tipos de países: (i) naqueles que apresentaram variações significativas na produtividade de capital e (ii)  naqueles que parecem ser relevantes para ajudar a entender o processo de desenvolvimento do Brasil. Os países escolhidos foram Japão, Coréia do Sul, Itália, Brasil, Chile e Índia.

Também, devido a disponibilidade de dados, utilizou-se a taxa de investimento a preços correntes e o produto a preços constantes. Com isto não se está considerando a diferença na variação do preço do investimento e do produto ao longo do tempo. Segundo Aumara Feu(2003), esta forma de cálculo não altera a tendência verificada da série.

O resultado sobre a evolução das produtividades é mostrado na Figura 4, onde se constata, como em Aumara Feu (2003) para outro grupo de países, que a dispersão entre os valores da produtividade do capital diminui ao longo do tempo. Este fato  indica uma tendência de convergência da produtividade do capital para os países estudados.

Figura 4 - Evolução da Produtividade de Capital para os Países Estudados. Note-se que muito embora se observe uma convergência a produtividade de capital do Japão ainda seria a metade da verificada para a Índia no último ano.

Os valores das produtividades de capital em função da renda per capita (da produtividade do trabalho) são mostrados em gráfico logarítmico na Figura 5.

 

Figura 5 - Produtividade de Capital em função da Produtividade do Trabalho em Escala Logarítma. Uma mesma reta, representando o comportamento de uma Cobb-Douglas, sem crescimento tecnológico, descreve satisfatoriamente a evolução das séries para a Itália, o Japão e a Coréia do Sul. 

Pode-se observar, na Figura 5, que Coréia do Sul, Japão e Itália seguem  trajetória bastante semelhante às previsões do modelo de Solow sem crescimento de tecnológico. Com efeito, uma mesma reta poderia descrever, com boa aproximação, os valores do gráfico logarítmico para Itália, Japão e Coréia do Sul[12].

Por sua vez, a Figura 6 mostra a relação entre produtividade do capital e do trabalho, bem como a curva correspondente ao ajuste efetuado na figura anterior. É interessante observar que, segundo a contabilidade do crescimento no modelo de Solow, com tecnologia Harrod-Neutra, apenas o avanço tecnológico negativo justificaria o comportamento da curva observado para o Brasil.

Figura 6 - Produtividade de Capital X Produtividade do Trabalho (produto per capita como proxi) em escala linear.

3.     Lições para o Brasil

 Celso Furtado (2000) assinala que na economia periférica as modificações do sistema produtivo são induzidas do exterior ao passo que nas economias do centro as transformações têm lugar simultaneamente nas estruturas econômico e na organização social e a pressão social faz a remuneração do trabalho acompanhar a elevação da produtividade(i).

Talvez por isso, no caso do Brasil, a representação das duas produtividades, no gráfico logarítmico, mostre que para nosso país o modelo de Solow (sem ou com crescimento tecnológico positivo) não se ajusta bem aos dados. O ajuste só melhora se for suposto  crescimento tecnológico negativo ao longo do período.

Esta constatação poderia ser explicada pela incorporação de tecnologia em um país periférico sem a correspondente qualificação da mão de obra existente. Ou seja, a nova tecnologia aumentaria o capital necessário para gerar uma unidade de produto, sem a correspondente queda na quantidade de trabalho necessária para gerar este produto. Em conseqüência, o resíduo de Solow, ou seja, a produtividade total dos fatores, teria que ser negativa para se adequar à contabilidade do crescimento.

Segundo Aumara Feu (2003), o ocorrido com a produtividade do capital no Brasil pode ser bem descrito por um choque negativo na produtividade marginal do capital. Neste caso, toda produção resultante do capital, investido a partir de determinada data, se daria com a produtividade reduzida pelo choque, enquanto o capital investido antes desta data, descontada sua depreciação, continuaria gerando o produto com a produtividade anterior.

Este provável choque negativo na produtividade marginal ao final da década de 60 ou início da década de 70, seria incorporado gradualmente na produtividade do capital (composto de investimentos velhos, parcialmente sucatados, mas mais produtivos, e novos, menos produtivos) gerando um comportamento similar ao apresentado pela série calculada da produtividade do capital no Brasil.

Claramente, este choque poderia ser explicado por meio do argumento da má combinação entre tecnologia e habilidades da força de trabalho nos países em desenvolvimento. Isto é, as novas tecnologias que estariam sendo adotadas nos países em desenvolvimento adviriam  dos países de fronteira tecnológica, países onde o capital e mão-de-obra qualificada seriam os fatores abundantes, diferentemente dos países em desenvolvimento, onde esses fatores seriam escassos.

Uma  evidência de que a tecnologia adotada nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, independentemente da dotação dos fatores de cada país,é cada vez mais similar, seria a  tendência, ressaltada anteriormente, de convergência das produtividades de capital.

Nos países desenvolvidos, a escolha pela tecnologia se dá de maneira a otimizar o uso dos fatores de produção à remuneração dos fatores vigente naqueles países. Com efeito, um tear importado traz implícita uma relação entre capital / número de trabalhadores e capital / produto, decidida em função do custo dos fatores no país  de fronteira. Ou seja, um país em desenvolvimento ao importar um tear também importa a razão capital / produto do país de origem. O mesmo vale para a produção agrícola mecanizada ou para a produção de automóveis e de outros produtos.

A respeito, segundo Acemoglu e Zibotti (2001), até mesmo quando todos os países têm o acesso igual às novas tecnologias, a má combinação entre tecnologia e habilidade pode conduzir às diferenças consideráveis na produtividade total dos fatores e na produtividade do trabalhador. De acordo com esses autores, a má combinação entre tecnologia e habilidades da força de trabalho pode esclarecer parte significativa das diferenças de produtividade do trabalhador observada.

Dessa forma, países em desenvolvimento, como o Brasil, estão alcançando o baixo nível de produtividade do capital observado nos países de fronteira, muito antes de apresentarem a produtividade por trabalhador (renda per capita) desses países.

Pode ser que a convergência temporal da produtividade do capital, independente da diversidade na remuneração do trabalho entre os países, seja conseqüência inevitável da globalização. Neste caso, os países periféricos estariam presos em uma armadilha que os condenaria a permanecer com um menor produto per capita . Na Figura 6, dois outros países, Chile e Índia, parecem estar superando este tipo de impasse, estagnação da renda per capita e queda na produtividade de capital, usando estratégias diferentes dos demais países em desenvolvimento.

Figura 7: Produtividade de capital em função da renda per capita
(ampliação na escala da Figura 6 para destacar os três países com menor renda per capta).

No que concerne ao Chile, o seu produto per capita, como pode ser observado na Figura 7, passou por  longo período de estagnação com redução  na produtividade do capital. Durante o regime militar, houve duas  quedas brutais no produto per capita, da ordem de 20% em um único ano. A primeira ocorrida 1975 e a segunda em 1982. O nível de renda de 1970 só foi restabelecido em 1989 quando terminava o regime militar. A política estabelecida nos anos finais do regime militar foi mantida pelos governos civis que se seguiram. A ela é atribuído o crescimento observado nos anos noventa.

O Chile fez uma clara opção de especializar-se em atividades em que dispõe de condições para competir internacionalmente. Abandonou a estratégia de gerar uma economia autônoma ou mesmo dirigida ao comércio regional da América do Sul. Adotou uma política de des-industrialização, renunciando aos, assim considerados, avanços anteriores conseguidos via substituição de importações e se especializou em produtos agrícolas e agroindustriais, aproveitando sua porta para o Pacífico.

Não obstante uma bem sucedida estratégia de privatização, a política que emergiu do final do regime militar havia consolidado e mantido sob o controle do Estado o cobre. Em 2002 e 2003, esse produto correspondia a cerca  de 35% das exportações do Chile[13].

A estratégia do Chile tem sido apontada como um êxito da política de globalização. Seus defensores afirmam que a especialização dos países nos campos em que são mais competitivos melhoraria a eficiência global em benefício de todos os países. No gráfico, pode-se observar que houve uma expressiva recuperação da produtividade de capital deste país e um considerável avanço, nos últimos anos, do produto per capita.

O Chile, conforme mostrado na Figura 7, apesar de ter permanecido por mais de duas décadas com PIB  per capita  oscilando em torno do mesmo valor, recuperou a trajetória “ajustada” para Coréia, Japão e Itália e conseguiu  aumentar em quase oito pontos percentuais a taxa de investimento anual.[14]

O outro país que tem apresentado índices elevados e constantes de crescimento é a Índia. Contudo, é certo que a renda per capita continua muito baixa e existem enormes problemas de mobilidade social[15].

Alguns aspectos têm, no entanto, chamado a atenção para o seu modelo de desenvolvimento, tais como: (i) a prioridade do uso de mão-de-obra na construção civil, na agricultura, onde convivem as formas de produção moderna e a tradicional; (ii) a especialização, na indústria química, em medicamentos genéricos, reproduzindo fórmulas de medicamentos com patentes vencidas; (iii) a prioridade, no sistema de transporte individual, às pequenas viaturas; (iv) a direção da indústria de cinema ao mercado local; (v) a expressiva participação na geração e exportação de softwares; (vi) a política tecnológica independente e (vii) a política econômica, que nem muito de longe segue as receitas do Consenso de Washington.

Vários desses aspectos vão no sentido de frear a queda na produtividade de capital. Isto efetivamente ocorreu como pode ser observado na Figura 7. Isto deve ter contribuído para que a Índia nas décadas de oitenta e noventa, perdidas para o Brasil, teve crescimento do PIB de 5,6% e do PIB per capita  de 3,6%. O produto interno bruto da Índia, neste período, mais do que dobrou.

A Coréia do Sul é outro exemplo notável de crescimento. Partiu, nos anos cinqüenta, de produto per capita inferior a do Brasil, e alcançou, nos últimos anos,  o nível de alguns países da OCDE, sendo seu produto per capita, agora, quase três vezes superior ao do Brasil.

É certo que a Coréia do Sul beneficiou-se, sobretudo na década de cinqüenta, de massiva ajuda externa destinada a criar  exemplo positivo de sucesso de economia capitalista em  área do globo onde era temido  forte avanço do comunismo. Todavia, o sucesso alcançado está longe de poder ser atribuído à ajuda externa. Deve-se lembrar que a Coréia manteve durante décadas taxas de investimentos da ordem de 30 % ao ano, essencialmente, com poupança interna[16].

O bom ajuste de uma reta no gráfico log x log implica que é possível descrever a evolução do comportamento das produtividades de capital e trabalho considerando crescimento zero da tecnologia.  Com efeito, nos três países para o qual foi feito o ajuste no gráfico da Figura 5 (Itália, Japão e Coréia do Sul) não se nota o deslocamento no sentido de maior produtividade do trabalho (curvatura para a direita no gráfico), que se espera quando há incorporação de tecnologia. No quadro esperado para este tipo de caminho de crescimento, a Coréia apresenta hoje baixa produtividade do capital o que poderá ser um entrave para seu futuro desenvolvimento. Segundo o modelo, isso só seria possível se o componente atribuído à tecnologia[17] passe apresentar crescimento com o tempo[18].

A função de Cobb-Douglas busca descrever um sistema em que a competição entre os insumos trabalho e capital opera dentro de uma lógica econômica que busca o melhor uso dos insumos. Neste trabalho, estamos levantando a hipótese que em países periféricos essa competição seja prejudicada pela escolha externa da tecnologia empregada.

Uma característica interessante da economia sul coreana é que suas grandes empresas são de capital predominantemente nacional, com marcas próprias conhecidas em nível mundial. Isto pode ter facilitado uma escolha mais racional no uso dos meios de produção. É interessante notar que a Coréia dirigiu seus esforços, na década de sessenta, à política de exportação de setores intensivos em mão de obra. A partir de 1970, a ênfase passou para produtos químicos, automóveis e eletrodomésticos. O setor de manufaturas, que inclui as duas últimas categorias, é um setor onde a razão capital / produto é 31% inferior à do total da economia nos países da OCDE[19]. Esta realocação de recursos para setores menos intensivos em capital poderia, portanto, explicar como a Coréia evitou a prematura queda na produtividade do capital observada em outros países em desenvolvimento [20].

Da análise da trajetória de desenvolvimento da Coréia podem-se tirar lições sobre uma trajetória de crescimento que otimizou o uso dos insumos capital e trabalho. O Chile passou por uma traumática correção de rumo e fez escolhas que parecem adequadas às características de sua economia mas que dificilmente poderiam ser aplicadas ao Brasil cuja economia é de uma outra dimensão. A Índia desenvolveu um sistema que prioriza o insumo mão de obra e que adota formas de produção adequadas ao seu estágio de crescimento. Isto pode ter contribuído para que fosse retomado o processo de desenvolvimento sem queda na produtividade de capital.

Conclusões e Anúncio do Próximo Artigo 

Segundo descrito acima, a baixa produtividade do capital no Brasil, similar a de países desenvolvidos, é um dos entraves ao crescimento do país. Foi observado, também, que este baixo nível da produtividade do capital em países em desenvolvimento, com  renda per capita relativamente bem menor, poderia ser explicado pela incorporação de tecnologias intensivas em capital desenvolvidas em países de fronteira onde a dotação dos fatores é diversa.

O problema principal aqui levantado não é somente a baixa produtividade de capital do Brasil mas o de termos alcançado essa marca em um estágio de produto per capita muito inferior ao dos países desenvolvidos.

Portanto, um país com pequeno nível da produtividade do capital e do trabalho se encontra em uma armadilha da pobreza, necessitando de grande dotação de ambos os fatores para gerar uma variação positiva no produto per capita. Observou-se, no entanto, que o Chile, que passou por situação semelhante, conseguiu reverter este quadro. A Coréia, por outro lado, manteve-se durante quatro décadas alocando equilibradamente os insumos capital e trabalho o que explica, em parte, seu crescimento acelerado.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil e de economia diversificada, é difícil fazer qualquer transplante de soluções, seja de um país também grande e complexo como a Índia, seja de países como o Chile, que optou por simplificar sua economia. Países como Coréia, Chile e Índia podem, no entanto, sugerir abordagens que possam levar o País a desatar o nó em que se encontra.

Existem países que estão abordando seriamente o problema da produtividade do capital que é, inclusive, monitorada pelo parlamento. Austrália, Nova Zelândia e o próprio Reino Unido já apresentam resultados visíveis para reverter ou limitar a tendência de queda.

No próximo número, pretende-se apresentar algumas sugestões de caminhos para incrementar a produtividade de capital no Brasil e para romper a estagnação no crescimento per capita.

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Citação:

(i)  "Nas economias do centro as transformações têm lugar simultaneamente nas estruturas econômicas e na organização social: a pressão social faz a remuneração do trabalho acompanhar a elevação da produtividade física desse trabalho, à medida que esta se traduz em aumento de renda média da coletividade. O aumento da remuneração do trabalhador modifica o perfil da demanda - e por esse maio a alocação dos recursos produtivos - e condiciona a destinação do excedente - e por essa forma a orientação do progresso técnico.

Na economia periférica as modificações do sistema produtivo são induzidas do exterior.  Pelo fato mesmo de que essas modificações se limitam - na fase formativa que estamos considerando - a uma reordenação no uso de recursos já disponíveis, seu impacto na estrutura social é reduzido ou nulo." (pag. 81)


Notas:

  [1] A produtividade do capital era de 0,39 e 0,36, respectivamente, na OCDE e no Brasil.

  [2] Barro (1991), Barro e Sala-i-Martin, (1991) e Barro e Sala-i-Martin (1992).

  [3] Está se considerando a produtividade média e não a marginal.

  [4] Os investimentos (formação bruta de capital fixo) são constituídos por bens de construção residencial e não residencial e por máquinas e equipamentos. Considera-se, portanto, como componente do estoque de capital, o investimento em imóveis residenciais cujo produto na forma de aluguéis (reais ou presumidos) integra o PIB.

  [5] Dentre eles cabe citar Alvim (1996), Hofman (1992) e (2000), Morandi, Zygielszyper e Reis (2000), IBGE (2003) e Aumara Feu (2004).

  [6] Os dados de investimento e de produto foram transformados em moeda internacional, considerando a paridade do poder de compra em relação ao dólar internacional, correspondente ao investimento e ao produto, fornecidos por Heston et al. (2002).

  [7] No caso da tecnologia (A) constante ao longo do tempo, considerou-se o  modelo DE Solow, com função de produção Cobb-Douglas e tecnologia Hicks-Neutra, . Já, para os casos com crescimento tecnológico diferente de zero, usou-se o modelo de Solow, com função  Cobb-Douglas e tecnologia Harrod-Neutra, ou seja, com tecnologia poupadora de trabalho, .

Na simulação, foi suposto,ainda, crescimento da força de trabalho de 2% ao ano, taxa de investimento (investimento como proporção do PIB) de 20%, depreciação DE 4% e participação do capital no produto(α) de 0,4.

Cabe ressaltar que a forma de colocar A(t) na equação como fator isolado ou sob o expoente (1- α ), associado ao trabalho, ou sob α, associado ao capital – respectivamente tecnologia Hicks, Harrod ou Solow-Neutra- altera a distribuição entre os fatores da taxa de crescimento da economia (Y) e não a forma das curvas  representadas na Figura 2.

  [8] Para montar o exemplo usou-se a função .e foi suposto crescimento da força de trabalho de 2% ao ano, taxa de investimento (investimento como proporção do PIB) de 20%, depreciação 4% e α=0,4. O exemplo simularia (em mil dólares/habitante) a evolução esperada para o Brasil a partir da metade do século XX nas condições supostas..

  [9] O trabalho aqui é representado pela população ocupada para o Brasil, calculada no trabalho mencionado e pelo total de trabalhadores empregados nos países membros da OCDE fornecido pela OCDE.

  [10] Em valores constantes a produtividade parou de cair no início da década de oitenta - Aumara Feu (2003)

  [11] Conforme mencionado anteriormente foi utilizada, nesta seção, como proxi do trabalho a população.

  [12] A inclinação da reta  fornece o valor de . Pois, sendo
  , tem-se  e .

  [13] Foi o governo militar chileno que criou, em 1976, a empresa estatal CODELCO. Esta é a maior empresa chilena, tendo consolidado  a nacionalização do cobre, decretada no governo Allende (derrubado pelos militares).

  [14] Média de 1989 a 2001 em relação à média de 1974 a 1987 (regime militar) de acordo com dados do Banco Central do Chile.

  [15] Apesar de todas as castas e de seus renegados “intocáveis”, a Índia tem melhor distribuição de renda que o Brasil, respectivamente  35oe  3o  pior do mundo,de acordo com http://www.nationmaster.com.

  [16] A Coréia apresentou taxa de investimento média de 31,5% de 1975 a 2001 (dados a preços correntes do FMI).A contribuição de transferências externas foi, na média desse período, quase nula (0,2% do PIB)

  [17] Função A(t).

  [18] O Japão também apresenta atualmente baixa produtividade de capital em relação aos demais países desenvolvidos. De qualquer forma é perturbador atribuir-se ao componente tecnológico crescimento zero no período para países como Japão, Coréia e Itália.

  [19] Aumara Feu (2003).

  [20] A Coréia praticou, até a crise asiática, uma política de planejamento centralizado. Só após o acordo com o FMI em 1998, houve movimentos no sentido de dar maior ênfase à economia de mercado. Embora o planejamento central possa induzir escolhas econômicas equivocadas, também ele pode constituir-se em um mecanismo de proteger a economia interna de padrões de produção impostos externamente.

   

 

Graphic Edition/Edição Gráfica:
MAK
Editoração Eletrônic
a

Revised/Revisado:
Wednesday, 22 September 2004
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